segunda-feira, 6 de agosto de 2012

UM OLHAR SOBRE NOSSO FILME / EXERCÍCIO

Fabiano Fleury de Souza Campos

Há o risco de À Margem da Imperatriz ser considerado como um conjunto de recortes: muitos alunos/performers/criadores, tentando por em prática a ideia de criar um filme que fosse uma produção coletiva, em que cada um dirigisse e criasse seu próprio roteiro, que posteriormente se juntaria a fim de se transformar em uma única produção, que tivesse o olhar final e a edição da colega Luciana, como havia sido acordado, entre nós, em sala de aula.  Segundo as orientações do professor Marcos Bulhões, o filme precisaria ter essencialmente a influência explícita da poética de Pina Bausch, sobretudo de seu filme O Lamento da Imperatriz.

No final desse processo, ficou o sentimento de objetivo alcançado, já que em nosso exercício transparece um sentido e uma unidade. O sentido é, cada um a sua maneira, relacionar-se com a cidade de São Paulo, o que ocorre a partir do procedimento que poderia ser identificado como “estranhamento da cena” (algo discutido em sala de aula e evidente no filme que nos serviu como referência), em que o performer se propõe a interagir de forma não-convencional com o ambiente em que está. Quanto à unidade, sobressai de cada performance o sentimento de quem vive num grande centro urbano: a ideia de solidão no meio da massa, de asfixia em meio a tanto concreto, de invisibilidade em pontos de aglomeração e de certo descaso com o que acontece ao redor.    https://vimeo.com/44935140

sábado, 4 de agosto de 2012

O que nos passa, o que nos toca e o que nos acontece: em Pina, somos sujeitos da experiência. Por Gisele Vasconcelos


:
“Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move” (Pina Bausch apud Cypriano, 2005, p. 27)

Neste escrito parto da denominação do crítico alemão Norbert Servos (apud Cypriano, 2005, p. 28) para o Teatro-Dança de Pina Bausch enquanto “Teatro da Experiência” e designo o criador no procedimento pina bauschiano como um sujeito da experiência.
Experiência, compreendida à luz de Jorge Larossa Bondía, como “aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma”. O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto, aberto a transformação, sujeito assim como o definido por Larrossa (p. 26): não por sua atividade, mas por sua passividade “feita de paixão”, por sua “receptividade primeira”, por sua “disponibilidade fundamental”, por sua “abertura essencial”.
... aquilo que posso mostrar não pode abranger tudo. Aquilo que posso mostrar é apenas uma tradução do que senti... sei que se fizer outra peça, ela será diferente. Elas dependem das minhas experiências com a companhia. As peças nascem dela mesma, dependem dessas experiências. (Pina Bausch apud Cypriano. 2005, p. 106)
Na proposta de uma ex-posição e não exibição, Pina “expõe no palco os bailarinos em sua fragilidade mais aparente, em suas próprias personalidades, e não como performers que representam tecnicamente um papel” (CYPRIANO, 2005, p.27)
E é nessa relação com a existência, de modo singular e concreto, que transbordam os ensinamentos de Pina, em nossa abordagem antropofágica de aprendizagem de procedimentos baushnianos, para fins artísticos e pedagógicos.
Pina Bausch (1940 – 2009), coreógrafa alemã, foi o segundo ponto-pessoa-princípio da rede artística, mapeada por Bulhões, a ser degustada por nós, aprendizes-atores-educadores no programa de pós-graduação em Artes Cênicas, da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo.
Suas peças foram criadas com a participação de seus bailarinos, através de procedimentos como o de Perguntas e Respostas. Nesse procedimento, a coreógrafa apresenta uma série de perguntas, temas, palavras, frases, estimulando um mostrar a si mesmo.
Ciane Fernandes (2000, p.43), em seu estudo acerca da Repetição e Transformação em Pina Bausch, aponta que “muitas das questões de Bausch implicam relembrar: como era a sua infância? Ou pessoas importantes na sua vida.” Nas respostas: as histórias pessoais de seus dançarinos.
Para Regina Advento, dançarina brasileira que integra desde 1993 o Tanztheater de Wuppertal “há três tipos de respostas: por palavras, por movimentos ou ambos... tudo que respondemos é gravado em vídeo e depois algumas cenas são selecionadas e retrabalhadas individualmente com a Pina... em geral, não temos ideia de para onde vai o material, tudo é centrado na Pina” (Cypriano, p 33)
Nas atividades de investigação dos procedimentos de Pina Bausch, trabalhamos observando os registros audiovisuais de suas obras, assim como os documentários acerca dos trabalhos da coreógrafa em Wuppertal.
Os aprendizes-artistas-educadores da disciplina “Encenações em Jogo”, coordenada por Marcos Bulhões, extraíam movimentos de suas obras. Na tentativa de descrevê-los para a turma, repetiam tal como os haviam percebido em vídeo. No processo de aprendizagem do gesto-movimento, o aprendiz, inicialmente, o repetia solitário numa relação entre ele, o gesto e a tela do computador, buscava descrevê-lo, ou marcando o tempo de cada movimento do tipo 1, 2, 3, 4... Ou mesmo fazendo analogias com imagens: “Todas as palavras não cabem nos pensamentos e ideias”. 
O movimento era então repassado para a turma, que aprendia uma série de seis ou mais movimentos por aula, sendo que, depois, eles eram
interligados compondo no espaço uma dança de gestos copilados em processo de apropriação, repetição e transformação sob a forma de coralidade.
Após o exercício da repetição dos movimentos-gesto de Pina, éramos impulsionados a criarmos, em grupo, nosso próprio repertório guiado pela pergunta do designado então diretor do grupo, que fazia referência ao lugar da Pina enquanto coreógrafa responsável pela ordenação, escolha e transformação do material observado.
A motivação externa, que vem do estímulo-tema-texto, pode ser apenas uma palavra ou uma pergunta, como se costuma dizer, mas é necessariamente o primeiro passo para desencadear a dramaturgia da memória. Esse primeiro estágio tem lugar inteiramente na mente, a qual se esvaziará, então, dos estereótipos e clichês. (SANCHEZ, p. 90)
No processo de criação com base na repetição e motivação externa através do estímulo-tema-texto, os desejos, frustações e esperanças, expressões da subjetividade do artista criador são fundamentais para o método de trabalho de Pina Bausch, que se alimenta de questões subjetivas para focar o social.
Nesse processo dancei: “Qual o meu tempo agora”?
Tempo de festa, de amar de sorrir, tempo de conquista, do silencio, da poesia, véspera do meu aniversário, tempo do sorriso e da alegria. Dizia para todos: Amanhã é meu aniversário.
- Dancei: “O que me move na cena, na criação artística”?
É um sopro, uma respiração, algo que vem de dentro impulsionado pelos sentidos, algo que é sentido e não verbalizado, pode vir por um grito, um sopro, uma canção. É preciso ar e também a falta dele, o extremo, a exaustão, o cansaço físico para a manifestação da ação. A arte está numa outra ordem!
Cantei, quase sem ar, quase sem voz: “se ela um dia despencar do céu e se os pagantes exigirem bis..... me ensina a não andar com os pés no chão... para sempre é sempre por um triz....”
- Dançei: “Eu entro e eu saio”.
De imediato a frase me levou para uma brincadeira popular do Maranhão, o Cacuriá de dona Teté:  - tô entrando... jabuti sabe lê, não sabe escrever, ele trepa no pau e não sabe descer... lê lê lê... tô saindo.
Na dança individual e pessoal, éramos observados pelo diretor-coreógrafo, que trabalhava na observação, exclusão, seleção, repetição e transformação do material expressivo fornecido pelos criadores em estado de jogo. O trabalho de composição de cenas funcionava como montagem, cujo material pessoal vai sendo intercalado pelo material da pina, remodelado numa forma estética, compondo um fragmento de teatro-dança.
No processo de montagem das cenas, “em geral 90% do trabalho assim obtido é depois abandonado”, declara Pina (apud Cypriano, 2005, p. 33). Quando o material não é abandonado, essas histórias pessoais adquirem características estéticas através da repetição e transformação, sem qualquer tipo de apego, pois, como afirma Ciane Fernandes (2000, p. 45), neste tipo de procedimento a “experiência original (significado) é relevante apenas como uma memória esteticamente reconstruída”.
O processo de colagem e montagem com livre associação é um procedimento utilizado por Pina, no qual “pequenas cenas ou sequencias de movimentos são fragmentadas, repetidas, alternadas, ou realizadas simultaneamente, sem um definido desenvolvimento na direção de uma conclusão resolutiva” (FERNANDES, 2000, p. 21)
Para Sarrazac (2012, p. 120) “montagem e colagem designam, com efeito, uma heterogeneidade e uma descontinuidade que afetam igualmente a estrutura e os temas do texto teatral”.
Solange Caldeira afirma que:
A concepção de montagem da dança-teatro recorre a métodos conhecidos da arte cinematográfica: fragmentação do gesto, repetição de uma seqüência, efeito de close e de focalização, fades, olhares para a câmara, elipse narrativa, montagem em câmara rápida.  Em que Bausch agrupa as idéias e as marcações, dá a elas uma conotação e, por fim, uma forma, ou seja, edita, como no cinema.
Nessa experiência de colagem e montagem a turma de “Encenações em Jogo” (2012), se envolveu na devoração/recriação do filme “Lamento da Imperatriz”, de Pina Bausch e tomou a cidade de São Paulo como protagonista para a criação de movimentos-gestos em espaços urbanos da metrópole.
Cada integrante partiu de um espaço, tema, incômodo, escolha, fez a captação de imagens, posteriormente editada pela cineasta, integrante da turma, Luciana Canton, que resultou no vídeo “À Margem da Imperatriz”.
Na experimentação para a composição do filme propus um trabalho com o material orgânico: ÁGUA. Pina Bausch, em muitas de suas obras, faz uso de materiais reais e orgânicos a exemplo da utilização da água, terra ou de cravos sob o palco. Movimentar-se sob a superfície aquática constitui um obstáculo que sugere outro tipo de deslocamento no espaço. Para esse exercício utilizei o ambiente do lago do MASP, na composição de uma sereia urbana.
 “Trata-se do que ainda não é arte, mas daquilo que talvez possa se tornar arte”. (Pina Bausch)
Referências Bibliográficas:
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o Saber de Experiência. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação. N°19, 2002.
CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/secaolivre.artigo.1-Solange.Pimentel.Caldeira.pdf. Acesso em 17 de maio de 2012.
CYPRIANO, Fábio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.
SANCHEZ, Licia. A Dramaturgia da Memória na Cena Contemporânea do Teatro-Dança. São Paulo: USP, 2006.
SARRAZAC, Jean - Pierre. Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sou Pina de mim mesmo? Protocolo.


 Glauber Gonçalves de Abreu

Uma citação para conversar com o título:

Bausch (...) parte de perguntas pessoais feitas a seus bailarinos. A partir de certo momento de sua trajetória, ela passa a iniciar uma nova obra a partir dessas questões. O resultado é a construção de cenas baseadas nos impulsos mais profundos, arquivados na memória corporal de seus bailarinos atores. (CALDEIRA, 2009: 28)

Parto de uma pergunta por achar apropriado ao que aprendemos sobre o processo criativo de Pina Bausch. Ser Pina de mim mesmo seria lançar-me perguntas que pudessem movimentar meus incômodos, anseios e expectativas na criação do meu cotidiano, da minha relação com a vida e com o mundo. Sou capaz disso? Não será já a vida um fluxo intuitivo de respostas a perguntas lançadas constantemente pela consciência – ou pela fuga dela? Sou capaz de editar minhas respostas, ouvi-las e transformá-las em espetáculos (de mim mesmo)?

Memória corporal: lembro-me de um episódio no ano 2000, aos 16 anos de idade, durante minha primeira oficina de iniciação ao teatro, em que o professor leva um vídeo para discutirmos em grupo. Nenhum nome ficou, nenhum título, nenhum diretor; apenas uma imagem: uma mulher, de pernas de fora, sentada em uma poltrona em meio ao trânsito de uma cidade. Discutimos a imagem e na necessidade afoita da narrativa, não hesitei: - Trata-se de uma prostituta. Uma colega da oficina, para meu desespero, contestou: - Acho que não! Acho que ela quis colocar aquela cadeira ali; quis ficar ali. E pensei: - Para quê? Essa imagem nunca me saiu da memória; retornou diversas vezes, como uma espécie de inspiração permanente, uma provocação ao pensamento despercebido, um interesse de espectador por uma imagem potente.

Isso dito, a experiência com Pina começa no jogo da citação cênica. Levamos, individualmente, um movimento ou sequência retirados de algum trabalho da artista que houvéssemos visto. Levei a coreografia das quatro estações (título que eu mesmo dei) aprendida no YouTube (mais um recurso didático interessante para o professor da educação básica):


Criamos, depois, movimentos autorais. Ao final, sob o olhar de um diretor-coreógrafo e em grupo, unimos partes de cada criação e improvisamos uma breve cena. Foi uma experiência reveladora. Estava enferrujado, há muito tempo sem aulas práticas, sem participar de um jogo cênico como jogador, e foi muito prazeroso retomar essa capacidade expressiva.

Continuando o módulo Pina Bausch, utilizamos novamente o vídeo como recurso didático. Começamos a abordar o percurso, o processo e os procedimentos da artista assistindo ao filme O Lamento da Imperatriz, dirigido por Pina em 1989. Uma estrutura fílmica-colagem na qual os bailarinos-atores realizam ações deslocadas de seu espaço ou de seu objetivo cotidiano. Em torno do oitavo minuto do filme voltei àquela oficina. Encontrei esse elo perdido que me unia intuitivamente à obra da Pina. A cena da mulher na poltrona estava lá.

FIGURA 1. Imagem do filme O Lamento da Imperatriz

Hoje, vejo que na minha resposta e na resposta da minha colega já propúnhamos discutir narrativa (e, logo, sua descontinuidade) e estranhamento. Essa própria característica descontínua do filme (que poderíamos chamar de pós-dramático), o deslocamento daquela ação e, especialmente, a desapropriação daquele espaço em que ela agora acontece constituem fatores que provocam o estranhamento, procedimento comum nos trabalhos de Pina Bausch. A relação com este procedimento me interessa de perto pois trabalho esse conceito em programas de mediação de espetáculos que desenvolvo em Brasília junto a estudantes da educação básica. Em geral, o estranhamento distancia esse tipo de espectador da obra, faz com que ele abandone o processo de fruição por não se sentir parte dele, ou dono dele, ou não reconhecer sua autonomia como criador, mesmo que sentado na poltrona. Procuro sensibilizar o olhar para o estranhamento e para o entendimento de que estranhar é dar partida a um outro tipo de experiência estética.

Neste sentido, notam-se vínculos muito fortes entre as proposições artísticas de Bausch e Brecht. Sua dança-teatro reedita, em outros corpos, o efeito de distanciamento proposto por Brecht na primeira metade do século XX, por meio do qual ele desejava movimentar a audiência. O estranhamento em Pina, assim como em Brecht, está atravessado – entre outras coisas – pela noção de exposição da ficção, característica comum também ao movimento da performance art, cuja influência na criação teatral contemporânea levou Josette Féral ao conceito de “teatro performativo”.

O módulo Pina Bausch aconteceu em um momento em que muito se fala sobre ela. O lançamento do filme Pina, de Win Wnders, e do documentário Sonhos em Movimento, de Anne Linsel e Rainer Hoffman. A redescoberta do Lamento – que está disponível integralmente para visualização no YouTube ( http://www.youtube.com/watch?v=P_pEirgUpPM ). Materiais muito consistentes para experiências didáticas. Pina continua uma inspiração permanente, agora mais consciente e mais presente. Ofereço, como última provocação, meu recorte individual do exercício cinematográfico que fizemos em homenagem/devoração ao Lamento da Imperatriz. Bom estar em cena. Fazer este filme. O olhar coletivo e o olhar individual.

Para ver o vídeo, clique aqui.


Referências

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

Carta à Pina Bausch ou o encontro das solidões


Carta à Pina Bausch ou o encontro das solidões
Por Francis Wilker

São Paulo, julho de 2012.

Olá, Pina,

Ultimamente me sinto imerso num mar de silêncios, é como se uma força tentasse a todo custo me levar mais para o dentro e profundo de mim. Imagino que você já tenha sentido algo parecido ou talvez consiga me compreender. Momento em que questiono todas as minhas referências, que tento compreender que proposição em torno do teatro o meu trabalho efetivamente aponta, aquilo que preciso desmistificar ou abandonar, por onde eu quero ir...Como você pode ver, no fundo desse mar de silêncio há uma infinidade de vida pulsando.

Você, (ou aquilo que disseram que você dizia), falava sempre da vida como sua matéria principal de criação, “observar a vida”, as pessoas, o povo....gente! Fico aqui me perguntando sobre a arte que dá conta de falar de nossos dias, de mim, da minha gente, de pessoas que moram do outro lado do mundo e que vivem esse mesmo 2012 que eu...que talvez olhem pra lua cheia, que talvez tenham tempo para sonhar. Está bem difícil! Como diria o Jonathan (um poeta amigo) “é tanta coisa em baixo desse céu”...nessa tempestade de informação, pressa, compra, venda, dinheiro, trabalho e contas a pagar...parece que tocar no encanto e no espanto dos meus iguais tem se tornado – a cada dia – uma missão de guerra...ou de vida!
As suas perguntas existenciais sobre a experiência de ser um ser humano parecem ganhar, para alguns de nós artistas, ainda maior urgência. Agora mesmo enquanto escrevo, imerso no frio que faz em São Paulo, fico me perguntando: qual foi a minha mais significativa experiência de estar vivo? Talvez uma outra pergunta possível seria: será que estamos vivos?

E no meio de todo esse esforço que fazemos para permanecermos poetas capazes de cantar um tempo, além de enfrentar, ao menos aqui no meu país, a falta de investimentos em cultura, a falta de espaço, a falta de público, a falta de educação decente para o meu povo, o excesso de cultura de massa, o excesso de publicidade, o excesso de tudo que direciona enganosamente os nossos desejos...muitas vezes temos ainda que enfrentar a patrulha dos outros poetas, como nós...atores que representam uma espécie de  júri a classificar se o seu teatro é político, se desvenda as estruturas de dominação,  se o seu teatro é experiência, se o seu teatro é repetição do teatro do outro,  se é performativo, se é ampliação da cultura de massa, se é engajadão mesmo, se é pós-dramático, se é sustentável, se é comercial, se é experimental, se é viável, se merece fomento, se merece o prêmio, se merece o oxigênio...e, Pina, sinceramente, as vezes me sinto paralisado diante de tudo isso...

Veja você como no tempo de agora as perguntas se multiplicam numa velocidade assustadora!  Pois é, precisamos nos vigiar para sentir, para manter algum espaço de área verde para nossa sensibilidade.
Resolvi te escrever porque vendo e relendo sobre seus trabalhos, reconheci algum “vínculo familiar”, talvez esse jeito de incentivar o outro a “se escavar” por dentro, acordar sonhos, pesadelos, lembranças...talvez por reconhecer também na vida tanta beleza e horror. Talvez simplesmente por seguir tentando fazer poesia até o dia em que alguma doença me faça parar.

Pensar em você me lembrou muito As Cartas a um jovem poeta, do Rainer Maria Rilke, geograficamente mais perto de você que de mim, mas, parece comprovado que para a arte não há distância, né? Bem, há muitos anos, quando eu li esse livro, a ideia da solidão ficou muito forte em mim, não vejo isso como algo ruim, acho que é uma maneira de “estar” mais profunda...e isso me lembra você e o seu trabalho.
“...e aprender devagar a reconhecer as poucas coisas em que perduram o que de eterno se pode amar e a solidão de que se pode tomar parte em silêncio.”

“Pense, meu caro, no mundo que o senhor leva dentro de si, então dê a esse pensamento o nome que quiser; pode ser lembrança da própria infância ou anseio do próprio futuro – apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que o senhor percebe em torno."

Ah, imagino que independente do espaço, você certamente ainda encontra tempo para dançar. Aliás, o Wim Wenders fez um bonito filme sobre você, nele, os seus companheiros e companheiras do Tanztheater Wuppertal dançam pra você, imagino eu, dançam como quem oferece um presente, espero que de algum modo, você tenha recebido!

Pina, obrigado por este encontro!

Um bejio!
Francis

PS.: fiz umas fotos pra te enviar, não ficaram tão boas, talvez meio clichê...mas...mando assim mesmo pra você guardar de recordação.




* fotos de Carmven

quarta-feira, 1 de agosto de 2012


PROTOCOLO PINA
Jacqueline Silva Mendes/ 2012-1

“Suas peças apresentam um caos generalizado, sob certa ordem, favorecendo processo sobre produto (...) provocando experiências inesperadas (...)” (FERNANDES, p. 18).

Ver Pina é mágico!

É expandir nossos conhecimentos do que é possível em dança, é estranhamento, é estar em casa, é sinergia, é sensação, é força, é fragilidade, é fragmento, é continuidade, é amor, é solidão, é transformação, é diálogo, é comunicação, é coletivo...
Tudo isso e mais, é o trabalho de Pina!
Em nossas aulas levantamos vários procedimentos percebidos no trabalho da Pina Bausch, foram:

·         Repetição de movimentos e palavras;

A repetição de algum gesto ou movimento nos causa estranhamento, mas também nos possibilita observar melhor o movimento até esse movimento se tornar belo de tanto ser repetido. A Ciane Fernandes nos aponta também para este caminho quando afirma que “Nas distorcidas estruturas de espelho das peças, a repetição de movimentos ou de palavras constantemente os modifica, multiplicando suas significados.” (p. 37). E esta repetição também nos possibilita ver o gesto de outra forma, mudando seu significado inicial, ampliando as possibilidades de significações. “Quando um gesto é feito pela primeira vez no palco, ele pode  ser (mal) interpretado como uma expressão espontânea. Mas quando o mesmo gesto é repetido várias vezes, ele é claramente exposto como um elemento estético.” (FERNANDES, p. 23).

·         Estranhamento
·         Pergunta-estímulo
·         Depoimento pessoal

Foi muito interessante responder a determinadas perguntas com nosso corpo, com nossa dança pessoal, criar sensações, sentimentos, nossa percepção corporalmente de uma palavra, “a imagem corporal, é então a repetição do mapa ambiental ou sociofamiliar (...)” (FERNANDES, p. 25). Finalizando este comentário, trago a citação da FERNANDES:

“(...) As obras de Bausch não parecem buscar uma quebra da barreira entre a representação cênica e a vida. Ao contrário, seus trabalhos incorporam movimentos e elementos da vida diária justamente para demonstrar que são tão artificiais quanto a apresentação cênica. E esta demonstração, como será visto posteriormente, é feita pela repetição de ambos – movimentos e palavras. Espontaneidade é uma inesperada, imprevisível, que pode acontecer apenas por meio de tais repetições.” (p. 20).

·         Gesto simbólico (deslocamento do gesto do contexto original, mescla de gesto cotidiano e mecanizado...)
·         Disjunção da ação corporal em relação à ambiência
·         Obstáculos reais (surreais) ao movimento
·         Estranhamento com o texto, ação verbal, sonora
·         Oposições de ações, justaposição com elementos contraditórios,
·         Deslocamento da experiência física
·         Sobreposição de gestos
·         Recorte e colagem
·         Abertura para o acaso

Nutridos das leituras iniciamos as práticas baseadas nos procedimentos acima, onde cada aluno trazia uma citação corporal de algum trabalho desenvolvido pela Pina e posteriormente também trouxemos perguntas que seriam respondidas corporalmente.
Participar dessa experiência foi muito significativa, porque nos levava a fazer movimentos inusitados, movimentos do cotidiano, mas de forma descontextualizada, esse trabalho levou o meu corpo a experenciar movimentos que não sabia que caberia numa partitura corporal, para apresentações de dança.
A experiência de vivenciar uma partitura corporal num diálogo com a cidade de São Paulo foi um pouco confusa, pensava em uma pergunta, mas não conseguia criar nenhuma pergunta, então minha pergunta foi: Qual é a pergunta? Existiu um nervosismo por fazer algo na rua, mas depois foi tão rápido e pronto já tinha terminado.
Quando vi o trabalho final, o filme com todos juntos, foi muito interessante, os fragmentos de certa forma dialogavam, não entre si, mas com a cidade, a cidade era o elo.

domingo, 29 de julho de 2012


Protocolo Bob Wilson

Nome: Laila Padovan
Disciplina: Encenações em Jogo

            Durante as aulas destinadas a Bob Wilson, fui gradualmente sendo envolvida por um universo bem particular e peculiar a que Bob Wilson nos convida a vivenciar; e me surpreendi positivamente com a riqueza de seu trabalho e com sua audácia em propôr uma forma de realizar o teatro que incluia várias outras manifestações artísticas, como a dança, a ópera, a música, as artes plásticas, a arquitetura, poesia, etc. Todas essas modalidades artísticas pareciam ser tratadas de forma independente e pura, ao mesmo tempo em que eram deslocadas de seu contexto ou funcionalidade tradicionais para serem inseridas em uma obra em que elas apareciam justapostas, embaralhadas, coladas. Uma obra de arte total.
            Um dos pontos que mais me interessou na sua obra foi a possibilidade de conduzir, tanto os próprios atores-bailarinos-cantores quanto os espectadores, a uma percepção alterada do mundo. Como que num sonho, Bob Wilson nos transporta para uma dimensão com outro tempo (através, por exemplo, de seus espetáculos bastante longos e dos movimentos em câmera lenta), com outro espaço (através, por exemplo, de justaposições, colagens, formas de iluminação, trazendo elementos da arquitetura e das artes plásticas) e com figuras cênicas estranhas (através, por exemplo, de figurinos meio animal, meio humano, de uma maquiagem branca e pálida ou de movimentos estilizados).
            O espectador parece assim estar assistindo a uma paisagem em movimento, num mundo onírico, entre o sono e a vigília, entrando em um estado alterado na qual pode começar a perceber imagens, sons, sensações, pensamentos, muito diferentes daqueles que experimenta em sua vida cotidiana. A inexistência de uma história a ser contada nos remete a um modo da existência humana distante de nossa compreensão racional e linear e que aponta para múltiplos sentidos e significados às vezes até incompreensíveis e extraordinários.

   “O que acontece na realidade é um equilíbrio de ritmos. Sendo a imagem exterior lenta, o olho apreende com maior rapidez o que é visto. As imagens exteriores e interiores começam a ajustar-se umas às outras e a imaginação de quem vê caminha com velocidade cada vez maior. Habitualmente o mundo exterior desenvolve-se com rapidez excessiva para que o ser humano tenha tempo de pensar no que está se desenvolvendo em sua mente, em relação àquilo que está acontecendo. No teatro de Wilson, a platéia goza de um tempo a mais. Essa combinação de piscar e dormir é fundamental para a experiência do espectador.” (GALIZIA, 2005, p.154)

            As experiências práticas realizadas na disciplina foram bastante interessantes para mim pois pude experimentar formas de criação bastante diferentes das que eu costumo empregar em meu trabalho artístico. A execução dos Roteiros Cênicos foi uma experiência reveladora. Através de imagens que vinham espontaneamente em minha mente, pude aos poucos organizá-las, experimentando uma sensação de certa liberdade em misturá-las, utilizando alguns dos procedimentos do Bob Wilson como a justaposição, a colagem, o deslocamento, etc. E o resultado final das cenas realizadas em grupo foi lindo!!!! Muitas imagens realmente poéticas e ricas.

Bibliografia:
GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo, Editora Perspectiva, 2005.
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático. São Paulo, Cosac&Naify, 2007.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo. Martins Fontes, 2011.






quarta-feira, 18 de julho de 2012


SOBRE A REPETIÇÃO EM PINA BAUSCH

                A repetição é um dos procedimentos poéticos de Pina Bausch destacados por Ciane Fernandes. Segundo Fernandes, ao repetir gestos do cotidiano, Bausch rompe com a ideia de espontaneidade no trabalho do bailarino. A estetização do cotidiano gerada pela repetição nos leva a pensar na produção de uma vertente das artes visuais contemporânea. Diversos artistas plásticos fazem verdadeiras coleções de objetos retirados do cotidiano (vestidos de noiva, cartões postais, sacolinhas plásticas de companhias aéreas...) que são “colados”, “costurados” quase que aleatoriamente transformando-se em objetos artísticos. Perdem sua função original e ganham o status de obras de arte. Esta arte Conceitual é descendente direta dos ready mades deMarcel Duchamp.
                Ao transformar gestos cotidianos em dança por meio da repetição, Bausch atua poeticamente na mesma direção e em sentidos opostos quanto à recepção da obra de arte. Ao espectador é proposta a esteticização de seu cotidiano; ele é convidado a olhar o movimento humano com olhos poéticos. No outro sentido, ao retirar do cotidiano sua gestualidade e repeti-la, Bausch esvazia o gesto de seu conteúdo de comunicação direta e preenche-o de conteúdo poético. Uma gargalhada ou um acesso de choro ao serem repetidos perdem sua significação primeira (a de um estado emocional) e ganham significados poéticos.
                A repetição de gestos cotidianos leva-nos a duas leituras, que tanto podem ser complementares como conflitantes. Henri Bergson em O Riso observa que a mecanização dos gestos, característico da repetição, pode provocar no observador um estado de comicidade ao flagrar no ser humano uma movimentação de máquinas, involuntária. Esta gestualidade quando repetida diversas vezes leva o observador do riso à reflexão. É claro que o riso é decorrente da reflexão (o Homem é o único animal que ri, etc etc), porém esta atitude reflexiva pode ser  provocada pelo estranhamento do gesto. E aqui pensamos no gestus brechtiano. O que era um deslocamento poético do gesto cotidiano para uma leitura estética, torna-se também uma atitude política (a Ética e a Estética serão o mesmo? Hegel e Wittgeinstein...). O espectador “estranha” a recontextualização e é convidado a refletir sobre as intenções do artista.
                Aproximar Pina Bausch de Brecht é afastar a recepção de sua obra da Arte Pura (se é que tal conceito possa existir...) e aproximá-la aos postulados de uma Arte Política (se bem que toda ação humana é uma ação política, segundo Aristóteles). Realizar esta aproximação é entrar na discussão sobre o político na obra de arte; é deslocar a ação política da palavra para o gesto; do discurso engajado para o discurso poético. “O aspecto realmente social da arte é a sua forma” (Lukács)
                Talvez este postulado seja uma heresia para um pensamento político ortodoxo de esquerda. Brecht estaria tão longe de Bausch quanto a terra do céu. Não é porém o que pensava um dos mais influentes dramaturgos contemporâneos, Heiner Müller: “No teatro da Pina Bausch a imagem é um espinho no olho, os corpos escrevem um texto que se recusa a ser publicado, a prisão da significação” (MÜLLER, Heiner. “Sangue na sapatilha ou o enigma da liberdade” in KOUDELA, Ingrid D. Heiner Müller: o espanto no teatro)
                Mas voltemos à origem deste texto, a repetição em Pina Bausch, para concluir que talvez este procedimento não seja usado simplesmente como “uma maneira bonita de se dançar”, mas como uma forma de pensamento. A repetição não é um estilo, mas um jeito de pensar. “Não me digam que sou louco / É só um jeito de corponão precisa ninguém me acompanhar” (Caetano Veloso).

                Bibliografia
                FERNANDES, Ciane. “A dança teatro da Pina Bausch: redançando a história corporal”, in Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: Repetição e Transformação, HUCITEC, São Paulo, 2000.

                                                                                                                                                            Marcelo Gianini

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Protocolo Pina Bausch - Laila Padovan


Protocolo Pina Bausch
Nome: Laila Padovan
Disciplina: Encenações em Jogo

“A solidão, a perda, a falta de horizonte é incontestável. Lá está a mulher, a Imperatriz do universo, apresentada em sua forma final: só. E sozinha permanece esse lamento infinito de dor. Meio solta no ar, nesse metro quadrado do vagão do teleférico, bêbada, alucinada, feita de lembranças, de fragmentos, a figura em decadência de uma mulher, moldada em amor e dor, na busca eterna da felicidade.” (CALDEIRA, 2009, p.12)
            A imersão em Pina Bausch foi instigante para mim especialmente em relação ao filme “O Lamento da Imperatriz”, pois revelou-me características e facetas da Pina que não estavam tão evidentes para mim ao assistir outras obras suas. A relação com a cidade e a possibilidade de trazer um corpo expressivo, com múltiplas significações, dentro da loucura da metrópole, revelou-me muitos questionamentos acerca de espetáculos, intervenções e performances realizadas no espaço urbano. Coincidentemente, eu estava, durante as aulas voltadas para a Pina, em cartaz com o espetáculo de improvisação em dança “Duas Memórias” na Estação da Luz da CPTM (com a Cia. Damas em Trânsito e os Bucaneiros), vivendo na minha própria pele, no meu corpo, as intensidades de fluxos, energias, sensações e pensamentos existentes nesta explosão de sentidos e imagens ao se dançar em um espaço urbano onde a vida está presente em cada gesto, em cada movimento, em cada som deste nosso corrido dia a dia de cidadão comum...
            Pina aponta para a possibilidade de trazer um olhar poético para a cidade, não apenas através de imagens belas, mas trazendo para o foco o estranho, aquilo que a priori não deveria estar naquele lugar, ou então não deveria ser feito daquela forma. Através de procedimentos como o deslocamento, a justaposição e o estranhamento, Pina cria imagens de grande força poética e traz novos olhares para a cidade e para a subjetividade do indivíduo.
“...só a imaginação, para me grudar ao percebido, pode separar o objeto de seu contexto natural e ligá-lo a um horizonte interior, pode expandi-lo num mundo ao mobilizar, em mim, todas as profundezas onde ele possa ressoar e encontrar um eco. A imaginação... reúne as potências do eu para que se forme uma imagem singular. Ela tem o poder de unir, mas para fazer surgir a diferença e não para atenuá-la.” (DUFRENNE, 2008, p.96)
Ao mesmo tempo em que Pina propõe imagens que causam estranhamento, ela parece destacar para os nossos olhos, as sensações mais profundas, particulares e familiares de cada um de nós. Como se ela colocasse uma lente de aumento naquilo que já estava ali mas que não estava evidente, trazendo uma reflexão sobre o indivíduo e o coletivo, sobre o público e o privado, sobre o eu e o outro.
                        “Vejo que nelas, que pertencem a lugares os mais estranhos um ao outro, há algo de semelhante, como se o muito particular, aquilo pelo qual nós nos distinguimos de todos os outros, fosse também aquilo que nos une a eles.” (KATZ, 2000, p.15)
            Na experiência de fazer o meu vídeo inspirado no filme da Pina para a montagem da nossa releitura, senti-me impulsionada a me apropriar do espaço urbano, dar-me o direito de brincar com ele, extrapolar seus limites, vivenciá-lo através de todos os meus sentidos (visão, audição, tato, olfato, etc) e propôr imagens que conversassem com ele. Tirei um dia inteiro para transitar pela cidade e viver este dia estabelecendo uma relação diferente daquela que estabeleço todos os dias em meu cotidiano. Como um mergulho na cidade, sentindo esta cidade como espaço possível para que eu me colocasse como indivíduo e, ao mesmo tempo, como coletivo, fazendo com que a criação surgisse através da relação entre eu e o mundo, entre eu e o outro.
“É o homem na multidão que luta diante da linha evanescente que ainda persiste entre o espaço público e a reserva da intimidade e, por isso, ainda pode surpreender-se, chocar-se ante a imagem urbana. Não está condicionado pelo hábito que automatiza a percepção e impede a apropriação da cidade pelo cidadão, essa doença a que, perplexos, assistimos corroer a imagem da metrópole moderna.” (CALDEIRA, 2009, p. 37)


 
            Interessa-me em Pina como o individual e o coletivo estão em constante relação, trazendo imagens onde há a mistura ou a justaposição do espaço público e do espaço privado, não sendo possível separá-los de forma clara. A partir de procedimentos que poderiam ser considerados extremamente individuais, como por exemplo os depoimentos pessoais através das perguntas feitas por Pina, chega-se a algo que toca a todos nós e que está diretamente relacionado com o mundo em que vivemos, com os espaços que habitamos, com as relações que estabecemos. Nós somos seres no mundo. Para ampliar e iluminar algumas imagens, trago um pouco de Merleau-Ponty e de autores que dialogam com ele como possíveis provocadores de reflexões sobre Pina:

“Para Merleau-Ponty (...), antes de ser um objeto, tal como o concebe a visão clássica das ciências, ou a morada do espírito, tal como o concebe a filosofia idealista, o corpo é nosso modo de ser-no-mundo. É o corpo que realiza a abertura do homem ao mundo, colocando-o em situação, por isso ‘O corpo é nosso meio geral de ter um mundo.’(Merleau-Ponty).” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.50)

“No entanto, como adverte Merleau-Ponty (2004), a obra não é gestada nos recôncavos da subjetividade, mas no encontro do artista com o mundo, que ele transmuta por sua arte em um outro mundo.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.72)

“É na relação com o outro que eu me reconheço como eu.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.84)

“... a experiência estética se situa na origem, naquele ponto em que o homem, confundido inteiramente com as coisas, experimenta sua familiaridade com as coisas, experimenta sua familiaridade com o mundo; a natureza se desvenda para ele, e ele pode ler as grandes imagens que ela lhe oferece.” (DUFRENNE, 2008, p.30)

“É na intersubjetividade que eu me constituo e revelo minha identidade. A noção de situação enraíza o homem no espaço e no tempo, no mundo, na relação com as coisas e com o outro e é dessa relação que emergem os sentidos, ou seja, os sentidos se instauram no encontro.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.84)

            E para finalizar este pequeno encadeamento de reflexões e idéias, fico com a imagem do encontro, da relação com o outro, com o mundo, que tanto nos alimentou e nos surpreendeu em nossas aulas desta disciplina, e que se estende para nosso fazer artístico, para nossas pesquisas, para nossas maneiras de estar no mundo, afinal, não vejo como criar isoladamente, e assim faço minhas as palavras de Pina: “O que mais me interessa são as relações entre os seres humanos.”


            Referências Bibliográficas

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo. Annablume, 2009.
CASANOVA DOS REIS, Alice. Há experiência estética na Biodança? Um estudo fenomenológico sobre a experiência do corpo em um grupo de Biodança. Tese (doutorado) – USP, 2010
DUFRENNE, M. Estética e Filosofia. São Paulo. Perspectiva, 2008.
KATZ, Helena. Pina Bausch coreógrafa. Jornal da Tarde. São Paulo, 15 de dezembro de 2000.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo. Martins Fontes, 2011.