domingo, 29 de julho de 2012


Protocolo Bob Wilson

Nome: Laila Padovan
Disciplina: Encenações em Jogo

            Durante as aulas destinadas a Bob Wilson, fui gradualmente sendo envolvida por um universo bem particular e peculiar a que Bob Wilson nos convida a vivenciar; e me surpreendi positivamente com a riqueza de seu trabalho e com sua audácia em propôr uma forma de realizar o teatro que incluia várias outras manifestações artísticas, como a dança, a ópera, a música, as artes plásticas, a arquitetura, poesia, etc. Todas essas modalidades artísticas pareciam ser tratadas de forma independente e pura, ao mesmo tempo em que eram deslocadas de seu contexto ou funcionalidade tradicionais para serem inseridas em uma obra em que elas apareciam justapostas, embaralhadas, coladas. Uma obra de arte total.
            Um dos pontos que mais me interessou na sua obra foi a possibilidade de conduzir, tanto os próprios atores-bailarinos-cantores quanto os espectadores, a uma percepção alterada do mundo. Como que num sonho, Bob Wilson nos transporta para uma dimensão com outro tempo (através, por exemplo, de seus espetáculos bastante longos e dos movimentos em câmera lenta), com outro espaço (através, por exemplo, de justaposições, colagens, formas de iluminação, trazendo elementos da arquitetura e das artes plásticas) e com figuras cênicas estranhas (através, por exemplo, de figurinos meio animal, meio humano, de uma maquiagem branca e pálida ou de movimentos estilizados).
            O espectador parece assim estar assistindo a uma paisagem em movimento, num mundo onírico, entre o sono e a vigília, entrando em um estado alterado na qual pode começar a perceber imagens, sons, sensações, pensamentos, muito diferentes daqueles que experimenta em sua vida cotidiana. A inexistência de uma história a ser contada nos remete a um modo da existência humana distante de nossa compreensão racional e linear e que aponta para múltiplos sentidos e significados às vezes até incompreensíveis e extraordinários.

   “O que acontece na realidade é um equilíbrio de ritmos. Sendo a imagem exterior lenta, o olho apreende com maior rapidez o que é visto. As imagens exteriores e interiores começam a ajustar-se umas às outras e a imaginação de quem vê caminha com velocidade cada vez maior. Habitualmente o mundo exterior desenvolve-se com rapidez excessiva para que o ser humano tenha tempo de pensar no que está se desenvolvendo em sua mente, em relação àquilo que está acontecendo. No teatro de Wilson, a platéia goza de um tempo a mais. Essa combinação de piscar e dormir é fundamental para a experiência do espectador.” (GALIZIA, 2005, p.154)

            As experiências práticas realizadas na disciplina foram bastante interessantes para mim pois pude experimentar formas de criação bastante diferentes das que eu costumo empregar em meu trabalho artístico. A execução dos Roteiros Cênicos foi uma experiência reveladora. Através de imagens que vinham espontaneamente em minha mente, pude aos poucos organizá-las, experimentando uma sensação de certa liberdade em misturá-las, utilizando alguns dos procedimentos do Bob Wilson como a justaposição, a colagem, o deslocamento, etc. E o resultado final das cenas realizadas em grupo foi lindo!!!! Muitas imagens realmente poéticas e ricas.

Bibliografia:
GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo, Editora Perspectiva, 2005.
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático. São Paulo, Cosac&Naify, 2007.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo. Martins Fontes, 2011.






quarta-feira, 18 de julho de 2012


SOBRE A REPETIÇÃO EM PINA BAUSCH

                A repetição é um dos procedimentos poéticos de Pina Bausch destacados por Ciane Fernandes. Segundo Fernandes, ao repetir gestos do cotidiano, Bausch rompe com a ideia de espontaneidade no trabalho do bailarino. A estetização do cotidiano gerada pela repetição nos leva a pensar na produção de uma vertente das artes visuais contemporânea. Diversos artistas plásticos fazem verdadeiras coleções de objetos retirados do cotidiano (vestidos de noiva, cartões postais, sacolinhas plásticas de companhias aéreas...) que são “colados”, “costurados” quase que aleatoriamente transformando-se em objetos artísticos. Perdem sua função original e ganham o status de obras de arte. Esta arte Conceitual é descendente direta dos ready mades deMarcel Duchamp.
                Ao transformar gestos cotidianos em dança por meio da repetição, Bausch atua poeticamente na mesma direção e em sentidos opostos quanto à recepção da obra de arte. Ao espectador é proposta a esteticização de seu cotidiano; ele é convidado a olhar o movimento humano com olhos poéticos. No outro sentido, ao retirar do cotidiano sua gestualidade e repeti-la, Bausch esvazia o gesto de seu conteúdo de comunicação direta e preenche-o de conteúdo poético. Uma gargalhada ou um acesso de choro ao serem repetidos perdem sua significação primeira (a de um estado emocional) e ganham significados poéticos.
                A repetição de gestos cotidianos leva-nos a duas leituras, que tanto podem ser complementares como conflitantes. Henri Bergson em O Riso observa que a mecanização dos gestos, característico da repetição, pode provocar no observador um estado de comicidade ao flagrar no ser humano uma movimentação de máquinas, involuntária. Esta gestualidade quando repetida diversas vezes leva o observador do riso à reflexão. É claro que o riso é decorrente da reflexão (o Homem é o único animal que ri, etc etc), porém esta atitude reflexiva pode ser  provocada pelo estranhamento do gesto. E aqui pensamos no gestus brechtiano. O que era um deslocamento poético do gesto cotidiano para uma leitura estética, torna-se também uma atitude política (a Ética e a Estética serão o mesmo? Hegel e Wittgeinstein...). O espectador “estranha” a recontextualização e é convidado a refletir sobre as intenções do artista.
                Aproximar Pina Bausch de Brecht é afastar a recepção de sua obra da Arte Pura (se é que tal conceito possa existir...) e aproximá-la aos postulados de uma Arte Política (se bem que toda ação humana é uma ação política, segundo Aristóteles). Realizar esta aproximação é entrar na discussão sobre o político na obra de arte; é deslocar a ação política da palavra para o gesto; do discurso engajado para o discurso poético. “O aspecto realmente social da arte é a sua forma” (Lukács)
                Talvez este postulado seja uma heresia para um pensamento político ortodoxo de esquerda. Brecht estaria tão longe de Bausch quanto a terra do céu. Não é porém o que pensava um dos mais influentes dramaturgos contemporâneos, Heiner Müller: “No teatro da Pina Bausch a imagem é um espinho no olho, os corpos escrevem um texto que se recusa a ser publicado, a prisão da significação” (MÜLLER, Heiner. “Sangue na sapatilha ou o enigma da liberdade” in KOUDELA, Ingrid D. Heiner Müller: o espanto no teatro)
                Mas voltemos à origem deste texto, a repetição em Pina Bausch, para concluir que talvez este procedimento não seja usado simplesmente como “uma maneira bonita de se dançar”, mas como uma forma de pensamento. A repetição não é um estilo, mas um jeito de pensar. “Não me digam que sou louco / É só um jeito de corponão precisa ninguém me acompanhar” (Caetano Veloso).

                Bibliografia
                FERNANDES, Ciane. “A dança teatro da Pina Bausch: redançando a história corporal”, in Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: Repetição e Transformação, HUCITEC, São Paulo, 2000.

                                                                                                                                                            Marcelo Gianini

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Protocolo Pina Bausch - Laila Padovan


Protocolo Pina Bausch
Nome: Laila Padovan
Disciplina: Encenações em Jogo

“A solidão, a perda, a falta de horizonte é incontestável. Lá está a mulher, a Imperatriz do universo, apresentada em sua forma final: só. E sozinha permanece esse lamento infinito de dor. Meio solta no ar, nesse metro quadrado do vagão do teleférico, bêbada, alucinada, feita de lembranças, de fragmentos, a figura em decadência de uma mulher, moldada em amor e dor, na busca eterna da felicidade.” (CALDEIRA, 2009, p.12)
            A imersão em Pina Bausch foi instigante para mim especialmente em relação ao filme “O Lamento da Imperatriz”, pois revelou-me características e facetas da Pina que não estavam tão evidentes para mim ao assistir outras obras suas. A relação com a cidade e a possibilidade de trazer um corpo expressivo, com múltiplas significações, dentro da loucura da metrópole, revelou-me muitos questionamentos acerca de espetáculos, intervenções e performances realizadas no espaço urbano. Coincidentemente, eu estava, durante as aulas voltadas para a Pina, em cartaz com o espetáculo de improvisação em dança “Duas Memórias” na Estação da Luz da CPTM (com a Cia. Damas em Trânsito e os Bucaneiros), vivendo na minha própria pele, no meu corpo, as intensidades de fluxos, energias, sensações e pensamentos existentes nesta explosão de sentidos e imagens ao se dançar em um espaço urbano onde a vida está presente em cada gesto, em cada movimento, em cada som deste nosso corrido dia a dia de cidadão comum...
            Pina aponta para a possibilidade de trazer um olhar poético para a cidade, não apenas através de imagens belas, mas trazendo para o foco o estranho, aquilo que a priori não deveria estar naquele lugar, ou então não deveria ser feito daquela forma. Através de procedimentos como o deslocamento, a justaposição e o estranhamento, Pina cria imagens de grande força poética e traz novos olhares para a cidade e para a subjetividade do indivíduo.
“...só a imaginação, para me grudar ao percebido, pode separar o objeto de seu contexto natural e ligá-lo a um horizonte interior, pode expandi-lo num mundo ao mobilizar, em mim, todas as profundezas onde ele possa ressoar e encontrar um eco. A imaginação... reúne as potências do eu para que se forme uma imagem singular. Ela tem o poder de unir, mas para fazer surgir a diferença e não para atenuá-la.” (DUFRENNE, 2008, p.96)
Ao mesmo tempo em que Pina propõe imagens que causam estranhamento, ela parece destacar para os nossos olhos, as sensações mais profundas, particulares e familiares de cada um de nós. Como se ela colocasse uma lente de aumento naquilo que já estava ali mas que não estava evidente, trazendo uma reflexão sobre o indivíduo e o coletivo, sobre o público e o privado, sobre o eu e o outro.
                        “Vejo que nelas, que pertencem a lugares os mais estranhos um ao outro, há algo de semelhante, como se o muito particular, aquilo pelo qual nós nos distinguimos de todos os outros, fosse também aquilo que nos une a eles.” (KATZ, 2000, p.15)
            Na experiência de fazer o meu vídeo inspirado no filme da Pina para a montagem da nossa releitura, senti-me impulsionada a me apropriar do espaço urbano, dar-me o direito de brincar com ele, extrapolar seus limites, vivenciá-lo através de todos os meus sentidos (visão, audição, tato, olfato, etc) e propôr imagens que conversassem com ele. Tirei um dia inteiro para transitar pela cidade e viver este dia estabelecendo uma relação diferente daquela que estabeleço todos os dias em meu cotidiano. Como um mergulho na cidade, sentindo esta cidade como espaço possível para que eu me colocasse como indivíduo e, ao mesmo tempo, como coletivo, fazendo com que a criação surgisse através da relação entre eu e o mundo, entre eu e o outro.
“É o homem na multidão que luta diante da linha evanescente que ainda persiste entre o espaço público e a reserva da intimidade e, por isso, ainda pode surpreender-se, chocar-se ante a imagem urbana. Não está condicionado pelo hábito que automatiza a percepção e impede a apropriação da cidade pelo cidadão, essa doença a que, perplexos, assistimos corroer a imagem da metrópole moderna.” (CALDEIRA, 2009, p. 37)


 
            Interessa-me em Pina como o individual e o coletivo estão em constante relação, trazendo imagens onde há a mistura ou a justaposição do espaço público e do espaço privado, não sendo possível separá-los de forma clara. A partir de procedimentos que poderiam ser considerados extremamente individuais, como por exemplo os depoimentos pessoais através das perguntas feitas por Pina, chega-se a algo que toca a todos nós e que está diretamente relacionado com o mundo em que vivemos, com os espaços que habitamos, com as relações que estabecemos. Nós somos seres no mundo. Para ampliar e iluminar algumas imagens, trago um pouco de Merleau-Ponty e de autores que dialogam com ele como possíveis provocadores de reflexões sobre Pina:

“Para Merleau-Ponty (...), antes de ser um objeto, tal como o concebe a visão clássica das ciências, ou a morada do espírito, tal como o concebe a filosofia idealista, o corpo é nosso modo de ser-no-mundo. É o corpo que realiza a abertura do homem ao mundo, colocando-o em situação, por isso ‘O corpo é nosso meio geral de ter um mundo.’(Merleau-Ponty).” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.50)

“No entanto, como adverte Merleau-Ponty (2004), a obra não é gestada nos recôncavos da subjetividade, mas no encontro do artista com o mundo, que ele transmuta por sua arte em um outro mundo.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.72)

“É na relação com o outro que eu me reconheço como eu.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.84)

“... a experiência estética se situa na origem, naquele ponto em que o homem, confundido inteiramente com as coisas, experimenta sua familiaridade com as coisas, experimenta sua familiaridade com o mundo; a natureza se desvenda para ele, e ele pode ler as grandes imagens que ela lhe oferece.” (DUFRENNE, 2008, p.30)

“É na intersubjetividade que eu me constituo e revelo minha identidade. A noção de situação enraíza o homem no espaço e no tempo, no mundo, na relação com as coisas e com o outro e é dessa relação que emergem os sentidos, ou seja, os sentidos se instauram no encontro.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.84)

            E para finalizar este pequeno encadeamento de reflexões e idéias, fico com a imagem do encontro, da relação com o outro, com o mundo, que tanto nos alimentou e nos surpreendeu em nossas aulas desta disciplina, e que se estende para nosso fazer artístico, para nossas pesquisas, para nossas maneiras de estar no mundo, afinal, não vejo como criar isoladamente, e assim faço minhas as palavras de Pina: “O que mais me interessa são as relações entre os seres humanos.”


            Referências Bibliográficas

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo. Annablume, 2009.
CASANOVA DOS REIS, Alice. Há experiência estética na Biodança? Um estudo fenomenológico sobre a experiência do corpo em um grupo de Biodança. Tese (doutorado) – USP, 2010
DUFRENNE, M. Estética e Filosofia. São Paulo. Perspectiva, 2008.
KATZ, Helena. Pina Bausch coreógrafa. Jornal da Tarde. São Paulo, 15 de dezembro de 2000.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo. Martins Fontes, 2011.

terça-feira, 3 de julho de 2012


São Paulo, 28 de junho de 2012.
Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo.
Disciplina: Encenações em Jogo: Experimentos de Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo
Docente Responsável: Marcos Aurélio Bulhões Martins
Aluna: Laís Marques Silva / Nº USP 3455577
Protocolo sobre Módulo II – Poéticas Modelares: Pina Bausch


A santa de patins: Pina Bausch[1]

“Levantar, cair,
cambalear, desabar,
escorregar, agarrar, soltar,
saltar, avançar às pressas, dar uma cambalhota,
tombar,
rolar, buscar proteção,
se endurecer, se contrair,
fincar as garras, deitar o braço em torno de alguém,
se tocar e se afastar de novo (…)
Homens se mexem
e enquanto esses gestos, saltos, passos…
levados à ribalta por Pina, são encenados,
destacados
e conscientizados,
muitas vezes com graça, mas sempre leves e jamais “prenhes
de significado”,
de repente se vê assim,
como se jamais ante se tivesse compreendido, nem de longe,
como cada um de nossos movimentos internos, de nossas
emotions
se anunciam para fora, prosseguem, se entranham,
se transformam em motions.” (Wim Wenders)
            Das inúmeras possibilidades de análise que a obra de Pina Bausch suscita uma delas é a retomada de alguns dos procedimentos utilizados pela coreógrafa para a composição do ator-bailarino. A força nas imagens-metáfora que os espetáculos apresentam, assim como a capacidade de construir as ações a partir de princípios que extrapolam o trabalho coreográfico mais convencional sugerem um projeto artístico que soube inventar seus próprios mecanismos a partir de variadas relações entre corpo e movimento.
O repertório desenvolvido por Bausch surge da materialidade e presença cênica e implica na utilização das sensações, dos desejos e dos afetos como ingredientes para a composição. Elementos significativos na perspectiva da cena contemporânea, tais ingredientes produzem metáforas no corpo que dança a partir de uma lógica que não é puramente racional, mas que leva em conta outras habilidades humanas, tais como a criatividade e o auto-conhecimento.
O fato de a companhia trabalhar com bailarinos mais velhos, por exemplo, significa que o exercício da composição não está pautado pela execução tecnicamente perfeita do movimento, muito menos pelo desempenho gratuitamente acrobático do corpo na cena. Ao contrário, o mundo representado pelos bailarinos de Wuppertal surge numa versão nada idealizada e, por isso mesmo, confiante num humor bastante peculiar. Distante dos padrões utilizados pela dança clássica os experientes bailarinos devem, por exemplo, abandonar as suas máscaras de super-homens, com super-poderes, muito antes de pisarem no palco.
Foi o teatro que influenciou um dos procedimentos mais característico do processo de Pina Bausch, que é o uso das perguntas e respostas como recurso para as composições. A necessidade de trazer interrogações que se tornam dispositivos de cena ao longo dos ensaios aconteceu quando Pina foi convidada a dirigir uma obra baseada em Macbeth: “utilizei, além dos bailarinos, vários atores, e percebi que não podia criar a partir de evoluções do corpo, mas sim da cabeça, e por isso comecei a fazer perguntas sobre o que o grupo pensava do texto e o vínculo com a vida pessoal de cada um[2]
A improvisação exige grande capacidade de síntese, assim como o uso da memória mais íntima dos seus colaboradores. Para que o trabalho não se torne uma composição genérica e que possa revelar as singularidades dos bailarinos, alguns princípios devem estar presentes:
- ser você mesmo
- não atuar ou se valer de máscaras para a representação
- ser justo ao tema mas não óbvio
- não intelectualizar
- ser simples
- não banalizar
- não querer mostrar o que se quer dizer
- não ser abstrato
- não caracterizar
Apesar de serem questões que afloram o mais íntimo de cada bailarino, Bausch sabe que as histórias pessoais não são a brecha para o desfile egocêntrico dos artistas, ao contrário, o uso do subjetivo é estratégia para aflorar o social[3]. Assim, um conceito importante de ser destacado para a composição é a referência ao estranhamento brechtiano que, nesse caso, se configura enquanto um “estranhamento poético”. O Lamento da Imperatriz, filme realizado pela coreógrafa em 1989, traz um exemplo sobre como isso acontece:
As imagens bauschianas trazem em si fortes conotações justamente por causar espanto ao romperem com o comum, o esperado. Nesse sentido, ao aparecerem em contextos cotidianos, produzem um estranhamento próximo do brechtiano, que leva à reflexão crítica, usando os limites do humor. Um bom exemplo é a cena da mulher sentada numa poltrona no meio de um cruzamento, no centro da cidade. Enquanto a mulher fuma tranqüilamente seu cigarro, os carros cruzam sem parar. A surpresa faz sorrir, mas segundos depois é possível reflexões complementares, sobre o absurdo da solidão humana. Nenhum carro ou ônibus pára, e as pessoas que passam sequer olham para a mulher. Apenas um pedestre passa e vira-se para olhar de novo, rapidamente, e segue em frente.[4]

As composições trabalhadas por Pina Bausch são editadas (tanto no filme quanto nas coreografias), com base na sobreposição e justaposição de imagens que podem ser desconexas e que atuam pela complementariedade dos sentidos. A beleza do gesto surge da simplicidade das ações que também comportam deslocamentos, obstáculos e forte sensorialidade junto aos materiais utilizados. As imagens constituem uma dramaturgia visual que é ativada pelo uso constante da repetição. As composições, portanto, vão adquirindo novas possibilidades de leituras, a partir de um mesmo “leitmotiv” disposto ao longo do espetáculo.
Todas essas estratégias de criação podem ser reconhecidas nas raízes que formaram a mais expoente criadora do Tanztheater. Não por acaso, Pina associa fortes referências da cultura alemã e mundial ao seu trabalho coreográfico: inicialmente como bailarina clássica, passando para a aprendizagem com o mestre que inventou a dança-teatro, Kurt Jooss (que por sinal foi aluno de Mary Wigman, a mãe da dança expressionista alemã que, por sua vez, se inspirava nas aulas de Rudolf Laban, cujo trabalho pretendia libertar o movimento dos padrões acadêmicos), além das experiências com a dança moderna norte-americana, na Juilliard School e no Metropolitan Opera, onde vai trabalhar no início de sua carreira. No contexto da cena contemporânea, ainda, os movimentos produzidos pela dança-teatro alemã pode significar o ampliamento das fronteiras entre as artes da cena sugerindo, por exemplo, outros caminhos para a criação dita não-textocêntrica.
Talvez o mais indicado no caso de Pina Bausch, entretanto, seja se inspirar numa de suas (raras) falas, registradas no filme feito por Win Wenders em sua homenagem. Num ensaio de Cafe Muller (dizem que o título é uma referência às leituras de Heiner Muller que a coreógrafa fazia na época), ela confessa que o modo como seus olhos se fecham no decorrer da coreografia determina toda a natureza da sua caminhada pelo palco, bem como da relação que seu corpo tem com os demais elementos. É no mergulho radical sobre si mesmo que a sua obra se torna paradoxalmente universal.
Como numa brincadeira infantil, as composições combinam o prazer e a invenção do jogo com a seriedade de quem brinca à sério. Um desejo aqui é que o teatro se inspire, quem sabe, numa inteligência “à la Pina”, feita juntamente com os seus “homens-crianças” e que tem a estranha capacidade de dizer ao seu público muito mais que mil palavras juntas.



















[1] Foi assim que Fellini descreveu sua primeira visão de Pina de Bausch.
[2] Cypriano, F. Pina Bausch. Cosac Naify: São Paulo. Pág. 33
[3] Idem. p. 31
[4] Cladeira, S. P. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. Artigo publicado na Revista de História e Estudos culturais. Julho 2007, Vol. 4 n. 6. Pág 6.

Protocolo Pina Bausch


PROTOCOLO Pina Bausch

Martha Travassos

Isso é teatro? Ou apenas Vida?

http://youtu.be/CNuQVS7q7-A

“A dança é radicalmente caracterizada por aquilo que se aplica ao teatro pós-dramático em geral, ela não formula sentido, mas articula energia, não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela é gesto... A realidade própria das tensões corporais, livre de sentido, toma o lugar da tensão dramática. O corpo parece desencadear energias até então desconhecidas e secretas.”- LEHMANN, Hans Thies. Teatro Pós- Dramático.

Os jogos alem de libertar-nos de todo o compromisso com o sentido conseguiu incorporar energias que nosso corpo jamais tinha experimentado. Sensações e movimentos que foram além do racional e observando depois o vídeo, pareceram inusitados, estranhos e até divertidos. Quem sou eu? Era a pergunta que pairava no ar e com sorriso nos lábios vinha à resposta: Não me importo. Sou apenas uma fonte de sensações que não se programa e sim executa.  Como uma meditação, Flui de dentro para fora, sofre estímulos de fora e retorna para dentro como um ciclo vital criativo.

Na cidade como palco, o corpo é muito mais influenciado. Os estímulos externos ditam as regras: É como se sentir um ponto perdido na imensidão e ao mesmo tempo parte de uma engrenagem controlada por essa máquina de concreto. Não há mais roteiro, o corpo ganha movimentos próprios e começa a dançar apenas por dançar. Surge o estranhamento aos movimentos sem sincronia com a música e o mero caminhar solitário parecem dilatar o tempo cronológico. Uma solidão coletiva compartilhada:

Os procedimentos da Pinah Bausch aliados ao ensino do teatro contemporâneo trazem a tona questões do corpo na atualidade, beleza, presença e qualidade dos gestos. Trabalhando os procedimentos aplicados por Pinah Bausch, estaremos proporcionando aos nossos alunos experimentar novas formas de composição na cena contemporânea eliminando a fronteira de linguagens da dança e do teatro. Os alunos criam assim uma autonomia e se apropriam de toda a produção e material cênico.

Alguns Procedimentos Pinah Bausch: 
1-As interações entre o masculino e feminino. Exemplo Filme “Fale com Ela” de Pedro Almodóvar.
2-Dança do corpo maduro 
3-Repetição
4-Pergunta e resposta
5-Abertura para o acaso
6- Estranhamento
7-Gesto matriz
8-Depoimentos pessoais

Uma Experiência Fantástica