quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Carta à Pina Bausch ou o encontro das solidões


Carta à Pina Bausch ou o encontro das solidões
Por Francis Wilker

São Paulo, julho de 2012.

Olá, Pina,

Ultimamente me sinto imerso num mar de silêncios, é como se uma força tentasse a todo custo me levar mais para o dentro e profundo de mim. Imagino que você já tenha sentido algo parecido ou talvez consiga me compreender. Momento em que questiono todas as minhas referências, que tento compreender que proposição em torno do teatro o meu trabalho efetivamente aponta, aquilo que preciso desmistificar ou abandonar, por onde eu quero ir...Como você pode ver, no fundo desse mar de silêncio há uma infinidade de vida pulsando.

Você, (ou aquilo que disseram que você dizia), falava sempre da vida como sua matéria principal de criação, “observar a vida”, as pessoas, o povo....gente! Fico aqui me perguntando sobre a arte que dá conta de falar de nossos dias, de mim, da minha gente, de pessoas que moram do outro lado do mundo e que vivem esse mesmo 2012 que eu...que talvez olhem pra lua cheia, que talvez tenham tempo para sonhar. Está bem difícil! Como diria o Jonathan (um poeta amigo) “é tanta coisa em baixo desse céu”...nessa tempestade de informação, pressa, compra, venda, dinheiro, trabalho e contas a pagar...parece que tocar no encanto e no espanto dos meus iguais tem se tornado – a cada dia – uma missão de guerra...ou de vida!
As suas perguntas existenciais sobre a experiência de ser um ser humano parecem ganhar, para alguns de nós artistas, ainda maior urgência. Agora mesmo enquanto escrevo, imerso no frio que faz em São Paulo, fico me perguntando: qual foi a minha mais significativa experiência de estar vivo? Talvez uma outra pergunta possível seria: será que estamos vivos?

E no meio de todo esse esforço que fazemos para permanecermos poetas capazes de cantar um tempo, além de enfrentar, ao menos aqui no meu país, a falta de investimentos em cultura, a falta de espaço, a falta de público, a falta de educação decente para o meu povo, o excesso de cultura de massa, o excesso de publicidade, o excesso de tudo que direciona enganosamente os nossos desejos...muitas vezes temos ainda que enfrentar a patrulha dos outros poetas, como nós...atores que representam uma espécie de  júri a classificar se o seu teatro é político, se desvenda as estruturas de dominação,  se o seu teatro é experiência, se o seu teatro é repetição do teatro do outro,  se é performativo, se é ampliação da cultura de massa, se é engajadão mesmo, se é pós-dramático, se é sustentável, se é comercial, se é experimental, se é viável, se merece fomento, se merece o prêmio, se merece o oxigênio...e, Pina, sinceramente, as vezes me sinto paralisado diante de tudo isso...

Veja você como no tempo de agora as perguntas se multiplicam numa velocidade assustadora!  Pois é, precisamos nos vigiar para sentir, para manter algum espaço de área verde para nossa sensibilidade.
Resolvi te escrever porque vendo e relendo sobre seus trabalhos, reconheci algum “vínculo familiar”, talvez esse jeito de incentivar o outro a “se escavar” por dentro, acordar sonhos, pesadelos, lembranças...talvez por reconhecer também na vida tanta beleza e horror. Talvez simplesmente por seguir tentando fazer poesia até o dia em que alguma doença me faça parar.

Pensar em você me lembrou muito As Cartas a um jovem poeta, do Rainer Maria Rilke, geograficamente mais perto de você que de mim, mas, parece comprovado que para a arte não há distância, né? Bem, há muitos anos, quando eu li esse livro, a ideia da solidão ficou muito forte em mim, não vejo isso como algo ruim, acho que é uma maneira de “estar” mais profunda...e isso me lembra você e o seu trabalho.
“...e aprender devagar a reconhecer as poucas coisas em que perduram o que de eterno se pode amar e a solidão de que se pode tomar parte em silêncio.”

“Pense, meu caro, no mundo que o senhor leva dentro de si, então dê a esse pensamento o nome que quiser; pode ser lembrança da própria infância ou anseio do próprio futuro – apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que o senhor percebe em torno."

Ah, imagino que independente do espaço, você certamente ainda encontra tempo para dançar. Aliás, o Wim Wenders fez um bonito filme sobre você, nele, os seus companheiros e companheiras do Tanztheater Wuppertal dançam pra você, imagino eu, dançam como quem oferece um presente, espero que de algum modo, você tenha recebido!

Pina, obrigado por este encontro!

Um bejio!
Francis

PS.: fiz umas fotos pra te enviar, não ficaram tão boas, talvez meio clichê...mas...mando assim mesmo pra você guardar de recordação.




* fotos de Carmven

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