quarta-feira, 18 de julho de 2012


SOBRE A REPETIÇÃO EM PINA BAUSCH

                A repetição é um dos procedimentos poéticos de Pina Bausch destacados por Ciane Fernandes. Segundo Fernandes, ao repetir gestos do cotidiano, Bausch rompe com a ideia de espontaneidade no trabalho do bailarino. A estetização do cotidiano gerada pela repetição nos leva a pensar na produção de uma vertente das artes visuais contemporânea. Diversos artistas plásticos fazem verdadeiras coleções de objetos retirados do cotidiano (vestidos de noiva, cartões postais, sacolinhas plásticas de companhias aéreas...) que são “colados”, “costurados” quase que aleatoriamente transformando-se em objetos artísticos. Perdem sua função original e ganham o status de obras de arte. Esta arte Conceitual é descendente direta dos ready mades deMarcel Duchamp.
                Ao transformar gestos cotidianos em dança por meio da repetição, Bausch atua poeticamente na mesma direção e em sentidos opostos quanto à recepção da obra de arte. Ao espectador é proposta a esteticização de seu cotidiano; ele é convidado a olhar o movimento humano com olhos poéticos. No outro sentido, ao retirar do cotidiano sua gestualidade e repeti-la, Bausch esvazia o gesto de seu conteúdo de comunicação direta e preenche-o de conteúdo poético. Uma gargalhada ou um acesso de choro ao serem repetidos perdem sua significação primeira (a de um estado emocional) e ganham significados poéticos.
                A repetição de gestos cotidianos leva-nos a duas leituras, que tanto podem ser complementares como conflitantes. Henri Bergson em O Riso observa que a mecanização dos gestos, característico da repetição, pode provocar no observador um estado de comicidade ao flagrar no ser humano uma movimentação de máquinas, involuntária. Esta gestualidade quando repetida diversas vezes leva o observador do riso à reflexão. É claro que o riso é decorrente da reflexão (o Homem é o único animal que ri, etc etc), porém esta atitude reflexiva pode ser  provocada pelo estranhamento do gesto. E aqui pensamos no gestus brechtiano. O que era um deslocamento poético do gesto cotidiano para uma leitura estética, torna-se também uma atitude política (a Ética e a Estética serão o mesmo? Hegel e Wittgeinstein...). O espectador “estranha” a recontextualização e é convidado a refletir sobre as intenções do artista.
                Aproximar Pina Bausch de Brecht é afastar a recepção de sua obra da Arte Pura (se é que tal conceito possa existir...) e aproximá-la aos postulados de uma Arte Política (se bem que toda ação humana é uma ação política, segundo Aristóteles). Realizar esta aproximação é entrar na discussão sobre o político na obra de arte; é deslocar a ação política da palavra para o gesto; do discurso engajado para o discurso poético. “O aspecto realmente social da arte é a sua forma” (Lukács)
                Talvez este postulado seja uma heresia para um pensamento político ortodoxo de esquerda. Brecht estaria tão longe de Bausch quanto a terra do céu. Não é porém o que pensava um dos mais influentes dramaturgos contemporâneos, Heiner Müller: “No teatro da Pina Bausch a imagem é um espinho no olho, os corpos escrevem um texto que se recusa a ser publicado, a prisão da significação” (MÜLLER, Heiner. “Sangue na sapatilha ou o enigma da liberdade” in KOUDELA, Ingrid D. Heiner Müller: o espanto no teatro)
                Mas voltemos à origem deste texto, a repetição em Pina Bausch, para concluir que talvez este procedimento não seja usado simplesmente como “uma maneira bonita de se dançar”, mas como uma forma de pensamento. A repetição não é um estilo, mas um jeito de pensar. “Não me digam que sou louco / É só um jeito de corponão precisa ninguém me acompanhar” (Caetano Veloso).

                Bibliografia
                FERNANDES, Ciane. “A dança teatro da Pina Bausch: redançando a história corporal”, in Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: Repetição e Transformação, HUCITEC, São Paulo, 2000.

                                                                                                                                                            Marcelo Gianini

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