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“Eu
não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move” (Pina Bausch apud
Cypriano, 2005, p. 27)
Neste
escrito parto da denominação do crítico alemão Norbert Servos (apud Cypriano,
2005, p. 28) para o Teatro-Dança de Pina Bausch enquanto “Teatro da Experiência”
e designo o criador no procedimento pina bauschiano como um sujeito da
experiência.
Experiência, compreendida à luz de Jorge
Larossa Bondía, como “aquilo que nos passa, ou
que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos
transforma”. O sujeito da
experiência é um sujeito ex-posto, aberto a transformação, sujeito assim como o
definido por Larrossa (p. 26): não por sua atividade, mas por sua passividade
“feita de paixão”, por sua “receptividade primeira”, por sua “disponibilidade
fundamental”, por sua “abertura essencial”.
... aquilo que posso
mostrar não pode abranger tudo. Aquilo que posso mostrar é apenas uma tradução
do que senti... sei que se fizer outra peça, ela será diferente. Elas dependem
das minhas experiências com a companhia. As peças nascem dela mesma, dependem
dessas experiências. (Pina Bausch apud Cypriano. 2005, p. 106)
Na proposta de uma ex-posição e não
exibição, Pina “expõe no palco os bailarinos em sua fragilidade mais aparente,
em suas próprias personalidades, e não como performers que representam
tecnicamente um papel” (CYPRIANO, 2005, p.27)
E é nessa relação com a existência, de
modo singular e concreto, que transbordam os ensinamentos de Pina, em nossa
abordagem antropofágica de aprendizagem de procedimentos baushnianos, para fins
artísticos e pedagógicos.
Pina
Bausch (1940 – 2009), coreógrafa alemã, foi o segundo ponto-pessoa-princípio da rede
artística, mapeada por Bulhões, a ser degustada por nós,
aprendizes-atores-educadores no programa de pós-graduação em Artes Cênicas, da
Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo.
Suas peças foram criadas
com a participação de seus bailarinos, através de procedimentos como o de
Perguntas e Respostas. Nesse procedimento, a coreógrafa apresenta uma série de
perguntas, temas, palavras, frases, estimulando um mostrar a si mesmo.
Ciane Fernandes (2000, p.43), em seu
estudo acerca da Repetição e Transformação em Pina Bausch, aponta que “muitas
das questões de Bausch implicam relembrar: como era a sua infância? Ou pessoas
importantes na sua vida.” Nas respostas: as histórias pessoais de seus
dançarinos.
Para Regina Advento, dançarina
brasileira que integra desde 1993 o Tanztheater de Wuppertal “há três tipos de
respostas: por palavras, por movimentos ou ambos... tudo que respondemos é
gravado em vídeo e depois algumas cenas são selecionadas e retrabalhadas
individualmente com a Pina... em geral, não temos ideia de para onde vai o material,
tudo é centrado na Pina” (Cypriano, p 33)
Nas atividades de investigação dos
procedimentos de Pina Bausch, trabalhamos observando os registros audiovisuais
de suas obras, assim como os documentários acerca dos trabalhos da coreógrafa em
Wuppertal.
Os aprendizes-artistas-educadores da
disciplina “Encenações em Jogo”, coordenada por Marcos Bulhões, extraíam
movimentos de suas obras. Na tentativa de descrevê-los para a turma, repetiam
tal como os haviam percebido em vídeo. No processo de aprendizagem do
gesto-movimento, o aprendiz, inicialmente, o repetia solitário numa relação
entre ele, o gesto e a tela do computador, buscava descrevê-lo, ou marcando o
tempo de cada movimento do tipo 1, 2, 3, 4... Ou mesmo fazendo analogias com
imagens: “Todas as palavras não cabem nos pensamentos e ideias”.
O movimento era então
repassado para a turma, que aprendia uma série de seis ou mais movimentos por
aula, sendo que, depois, eles eram
interligados compondo no espaço uma
dança de gestos copilados em processo de apropriação, repetição e transformação
sob a forma de coralidade.
Após o exercício da repetição dos
movimentos-gesto de Pina, éramos impulsionados a criarmos, em grupo, nosso próprio
repertório guiado pela pergunta do
designado então diretor do grupo, que fazia referência ao lugar da Pina
enquanto coreógrafa responsável pela ordenação, escolha e transformação do
material observado.
A motivação externa, que
vem do estímulo-tema-texto, pode ser apenas uma palavra ou uma pergunta, como
se costuma dizer, mas é necessariamente o primeiro passo para desencadear a
dramaturgia da memória. Esse primeiro estágio tem lugar inteiramente na mente,
a qual se esvaziará, então, dos estereótipos e clichês. (SANCHEZ, p. 90)
No processo de criação com base na
repetição e motivação externa através do estímulo-tema-texto, os desejos, frustações e esperanças,
expressões da subjetividade do artista criador são fundamentais para o método
de trabalho de Pina Bausch, que se alimenta de questões subjetivas para focar o
social.
Nesse processo dancei: “Qual o meu tempo
agora”?
Tempo de festa, de amar de sorrir, tempo
de conquista, do silencio, da poesia, véspera do meu aniversário, tempo do
sorriso e da alegria. Dizia para todos: Amanhã é meu aniversário.
- Dancei: “O que me move na cena, na
criação artística”?
É um sopro, uma respiração, algo que vem
de dentro impulsionado pelos sentidos, algo que é sentido e não verbalizado,
pode vir por um grito, um sopro, uma canção. É preciso ar e também a falta
dele, o extremo, a exaustão, o cansaço físico para a manifestação da ação. A
arte está numa outra ordem!
Cantei, quase sem ar, quase sem voz: “se
ela um dia despencar do céu e se os pagantes exigirem bis..... me ensina a não
andar com os pés no chão... para sempre é sempre por um triz....”
- Dançei: “Eu
entro e eu saio”.
De imediato a frase me levou para uma
brincadeira popular do Maranhão, o Cacuriá
de dona Teté: - tô entrando... jabuti sabe lê, não
sabe escrever, ele trepa no pau e não sabe descer... lê lê lê... tô saindo.
Na dança individual e pessoal, éramos
observados pelo diretor-coreógrafo, que trabalhava na observação, exclusão,
seleção, repetição e transformação do material expressivo fornecido pelos
criadores em estado de jogo. O trabalho de composição de cenas funcionava como
montagem, cujo material pessoal vai
sendo intercalado pelo material da pina,
remodelado numa forma estética, compondo um fragmento de teatro-dança.
No processo de montagem das cenas, “em
geral 90% do trabalho assim obtido é depois abandonado”, declara Pina (apud
Cypriano, 2005, p. 33). Quando o material não é abandonado, essas histórias
pessoais adquirem características estéticas através da repetição e
transformação, sem qualquer tipo de apego, pois, como afirma Ciane Fernandes (2000,
p. 45), neste tipo de procedimento a “experiência original (significado) é
relevante apenas como uma memória esteticamente reconstruída”.
O processo de colagem e montagem com
livre associação é um procedimento utilizado por Pina, no qual “pequenas cenas
ou sequencias de movimentos são fragmentadas, repetidas, alternadas, ou
realizadas simultaneamente, sem um definido desenvolvimento na direção de uma
conclusão resolutiva” (FERNANDES, 2000, p. 21)
Para Sarrazac (2012, p. 120) “montagem e
colagem designam, com efeito, uma heterogeneidade e uma descontinuidade que
afetam igualmente a estrutura e os temas do texto teatral”.
Solange Caldeira afirma que:
A
concepção de montagem da dança-teatro recorre a métodos conhecidos da arte
cinematográfica: fragmentação do gesto, repetição de uma seqüência, efeito de
close e de focalização, fades, olhares para a câmara, elipse narrativa,
montagem em câmara rápida. Em que Bausch
agrupa as idéias e as marcações, dá a elas uma conotação e, por fim, uma forma,
ou seja, edita, como no cinema.
Nessa experiência de colagem e montagem
a turma de “Encenações em Jogo” (2012), se envolveu na devoração/recriação do
filme “Lamento
da Imperatriz”,
de Pina Bausch e tomou a cidade de São Paulo como protagonista para a criação
de movimentos-gestos em espaços urbanos da metrópole.
Cada integrante partiu de um espaço,
tema, incômodo, escolha, fez a captação de imagens, posteriormente editada pela
cineasta, integrante da turma, Luciana Canton, que resultou no vídeo “À
Margem da Imperatriz”.
Na
experimentação para a composição do filme propus um trabalho com o material
orgânico: ÁGUA. Pina Bausch, em muitas de suas obras, faz uso de materiais
reais e orgânicos a exemplo da utilização da água, terra ou de cravos sob o
palco. Movimentar-se sob a superfície aquática constitui um obstáculo que
sugere outro tipo de deslocamento no espaço. Para esse exercício utilizei o ambiente do lago do MASP, na
composição de uma sereia urbana.
“Trata-se do que ainda não é arte, mas daquilo
que talvez possa se tornar arte”. (Pina Bausch)
Referências
Bibliográficas:
BONDÍA,
Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o Saber de Experiência. Rio de
Janeiro: Revista Brasileira de Educação. N°19, 2002.
CALDEIRA, Solange
Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/secaolivre.artigo.1-Solange.Pimentel.Caldeira.pdf.
Acesso em 17 de maio de 2012.
CYPRIANO, Fábio. Pina
Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FERNANDES, Ciane. Pina
Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo:
Hucitec, 2000.
SANCHEZ, Licia. A
Dramaturgia da Memória na Cena Contemporânea do Teatro-Dança. São Paulo: USP,
2006.
SARRAZAC, Jean - Pierre. Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
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