segunda-feira, 9 de julho de 2012

Protocolo Pina Bausch - Laila Padovan


Protocolo Pina Bausch
Nome: Laila Padovan
Disciplina: Encenações em Jogo

“A solidão, a perda, a falta de horizonte é incontestável. Lá está a mulher, a Imperatriz do universo, apresentada em sua forma final: só. E sozinha permanece esse lamento infinito de dor. Meio solta no ar, nesse metro quadrado do vagão do teleférico, bêbada, alucinada, feita de lembranças, de fragmentos, a figura em decadência de uma mulher, moldada em amor e dor, na busca eterna da felicidade.” (CALDEIRA, 2009, p.12)
            A imersão em Pina Bausch foi instigante para mim especialmente em relação ao filme “O Lamento da Imperatriz”, pois revelou-me características e facetas da Pina que não estavam tão evidentes para mim ao assistir outras obras suas. A relação com a cidade e a possibilidade de trazer um corpo expressivo, com múltiplas significações, dentro da loucura da metrópole, revelou-me muitos questionamentos acerca de espetáculos, intervenções e performances realizadas no espaço urbano. Coincidentemente, eu estava, durante as aulas voltadas para a Pina, em cartaz com o espetáculo de improvisação em dança “Duas Memórias” na Estação da Luz da CPTM (com a Cia. Damas em Trânsito e os Bucaneiros), vivendo na minha própria pele, no meu corpo, as intensidades de fluxos, energias, sensações e pensamentos existentes nesta explosão de sentidos e imagens ao se dançar em um espaço urbano onde a vida está presente em cada gesto, em cada movimento, em cada som deste nosso corrido dia a dia de cidadão comum...
            Pina aponta para a possibilidade de trazer um olhar poético para a cidade, não apenas através de imagens belas, mas trazendo para o foco o estranho, aquilo que a priori não deveria estar naquele lugar, ou então não deveria ser feito daquela forma. Através de procedimentos como o deslocamento, a justaposição e o estranhamento, Pina cria imagens de grande força poética e traz novos olhares para a cidade e para a subjetividade do indivíduo.
“...só a imaginação, para me grudar ao percebido, pode separar o objeto de seu contexto natural e ligá-lo a um horizonte interior, pode expandi-lo num mundo ao mobilizar, em mim, todas as profundezas onde ele possa ressoar e encontrar um eco. A imaginação... reúne as potências do eu para que se forme uma imagem singular. Ela tem o poder de unir, mas para fazer surgir a diferença e não para atenuá-la.” (DUFRENNE, 2008, p.96)
Ao mesmo tempo em que Pina propõe imagens que causam estranhamento, ela parece destacar para os nossos olhos, as sensações mais profundas, particulares e familiares de cada um de nós. Como se ela colocasse uma lente de aumento naquilo que já estava ali mas que não estava evidente, trazendo uma reflexão sobre o indivíduo e o coletivo, sobre o público e o privado, sobre o eu e o outro.
                        “Vejo que nelas, que pertencem a lugares os mais estranhos um ao outro, há algo de semelhante, como se o muito particular, aquilo pelo qual nós nos distinguimos de todos os outros, fosse também aquilo que nos une a eles.” (KATZ, 2000, p.15)
            Na experiência de fazer o meu vídeo inspirado no filme da Pina para a montagem da nossa releitura, senti-me impulsionada a me apropriar do espaço urbano, dar-me o direito de brincar com ele, extrapolar seus limites, vivenciá-lo através de todos os meus sentidos (visão, audição, tato, olfato, etc) e propôr imagens que conversassem com ele. Tirei um dia inteiro para transitar pela cidade e viver este dia estabelecendo uma relação diferente daquela que estabeleço todos os dias em meu cotidiano. Como um mergulho na cidade, sentindo esta cidade como espaço possível para que eu me colocasse como indivíduo e, ao mesmo tempo, como coletivo, fazendo com que a criação surgisse através da relação entre eu e o mundo, entre eu e o outro.
“É o homem na multidão que luta diante da linha evanescente que ainda persiste entre o espaço público e a reserva da intimidade e, por isso, ainda pode surpreender-se, chocar-se ante a imagem urbana. Não está condicionado pelo hábito que automatiza a percepção e impede a apropriação da cidade pelo cidadão, essa doença a que, perplexos, assistimos corroer a imagem da metrópole moderna.” (CALDEIRA, 2009, p. 37)


 
            Interessa-me em Pina como o individual e o coletivo estão em constante relação, trazendo imagens onde há a mistura ou a justaposição do espaço público e do espaço privado, não sendo possível separá-los de forma clara. A partir de procedimentos que poderiam ser considerados extremamente individuais, como por exemplo os depoimentos pessoais através das perguntas feitas por Pina, chega-se a algo que toca a todos nós e que está diretamente relacionado com o mundo em que vivemos, com os espaços que habitamos, com as relações que estabecemos. Nós somos seres no mundo. Para ampliar e iluminar algumas imagens, trago um pouco de Merleau-Ponty e de autores que dialogam com ele como possíveis provocadores de reflexões sobre Pina:

“Para Merleau-Ponty (...), antes de ser um objeto, tal como o concebe a visão clássica das ciências, ou a morada do espírito, tal como o concebe a filosofia idealista, o corpo é nosso modo de ser-no-mundo. É o corpo que realiza a abertura do homem ao mundo, colocando-o em situação, por isso ‘O corpo é nosso meio geral de ter um mundo.’(Merleau-Ponty).” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.50)

“No entanto, como adverte Merleau-Ponty (2004), a obra não é gestada nos recôncavos da subjetividade, mas no encontro do artista com o mundo, que ele transmuta por sua arte em um outro mundo.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.72)

“É na relação com o outro que eu me reconheço como eu.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.84)

“... a experiência estética se situa na origem, naquele ponto em que o homem, confundido inteiramente com as coisas, experimenta sua familiaridade com as coisas, experimenta sua familiaridade com o mundo; a natureza se desvenda para ele, e ele pode ler as grandes imagens que ela lhe oferece.” (DUFRENNE, 2008, p.30)

“É na intersubjetividade que eu me constituo e revelo minha identidade. A noção de situação enraíza o homem no espaço e no tempo, no mundo, na relação com as coisas e com o outro e é dessa relação que emergem os sentidos, ou seja, os sentidos se instauram no encontro.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.84)

            E para finalizar este pequeno encadeamento de reflexões e idéias, fico com a imagem do encontro, da relação com o outro, com o mundo, que tanto nos alimentou e nos surpreendeu em nossas aulas desta disciplina, e que se estende para nosso fazer artístico, para nossas pesquisas, para nossas maneiras de estar no mundo, afinal, não vejo como criar isoladamente, e assim faço minhas as palavras de Pina: “O que mais me interessa são as relações entre os seres humanos.”


            Referências Bibliográficas

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo. Annablume, 2009.
CASANOVA DOS REIS, Alice. Há experiência estética na Biodança? Um estudo fenomenológico sobre a experiência do corpo em um grupo de Biodança. Tese (doutorado) – USP, 2010
DUFRENNE, M. Estética e Filosofia. São Paulo. Perspectiva, 2008.
KATZ, Helena. Pina Bausch coreógrafa. Jornal da Tarde. São Paulo, 15 de dezembro de 2000.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo. Martins Fontes, 2011.

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