PINA BAUSCH: Por meio das
aulas de Marcos Bulhões
ECA USP – ano 2013
Renato Sergio Sampaio
Renato Sergio Sampaio
O primeiro dia de aula da disciplina Encenações
em jogo: experimentos de criação e aprendizagem do teatro contemporâneo do
Prof.Dr. Marcos Aurélio Bulhões Martins assistimos ao filme O Lamento da Imperatriz, único filme de Pina e feito para atores-bailarinos. O filme apresenta
fragmentação de gestos, repetição de seqüências, efeitos de close com olhares para a câmara e diversidades
com elipse narrativa. Focaliza o processo de narrar acumulando intertextos com
relatos que se transformam continuamente na busca de soluções atuais do
presente momento. Segundo a autora Solange Pimentel Caudeira em seu livro O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina
Bauch (2009), a atividade corporal que permeia todo o filme é um simulacro
do viver, bem como a reafirmação da capacidade infinita de produção, elaboração
e busca de caminhos. O leitor-espectador é levado a acompanhar o narrador
através de todo um percurso caracterizado pela indefinição espaço-temporal,
esvaziado de qualquer tentativa de delimitação entre o real e o imaginário.
“O Lamento da Imperatriz é uma
permanente viagem ao ‘não-lugar’. Movimentando-se em um espaço nebuloso que
apregoa a impossibilidade de consolidação das marcas identitárias, relacionais
e históricas que configuram o lugar antropológico, o anonimato do sujeito e o
esmaecimento da memória fortalecem a idéia de que a voz que fala pode ser de
qualquer um. Não é, portanto, necessário buscar nenhum designador identitário.
A recusa da dança-teatro de apegar-se a referentes que possam servir como
localizadores espaço-temporais está relacionada à crise da própria história
como produtora de sentido, à crise da identidade cultural. (CAUDEIRA, 2007).
O
filme não é dividido conforme o padrão dramatúrgico tradicional porque Pina faz
um jogo de contrastes entre imagens que mobilizam signos e valores culturais
com um poética plenamente livre na estrutura, são danças libertas de qualquer tipo
de prisão, física ou mental numa obra híbrida nas linguagens da dança, do
teatro e do cinema. O filme dialoga corpo e cinema com humor deboche e ironia. Alegoriza
a cidade de Wuppertal numa direção fotográfica com posições e ângulos de um
urbano nada óbvio, apenas experiências visíveis.
O
segundo dia de aula foi uma apresentação do plano de curso e os planos de aula.
Também foi uma apresentação geral da turma. Muitas dúvidas sobre o curso foi
tirada e discutida neste dia. O terceiro dia de aula pôde-se discutir sobre
teatro performativo e teatro pós-dramático. Este texto foi entregue o professor
em folha separada, não havendo necessidade de escrevê-lo novamente. As práticas
de Pina se iniciaram a partir da quarta aula do curso indo até a sétima aula.
Iniciar a prática da dança nos moldes de Pina
Bausch foi uma experiência incrível e muito emocionante para mim porque tratou
de temas da infância e movimentos plenamente livres na expressão artística.
Isso nunca havia acontecido comigo e me moveu a estudar quem foi esta mulher
incrível que despertava nos dançarinos atores uma liberdade tamanha. Cada aluno
trouxe um ou dois movimentos da Pina assistidos na Internet e apresentou na
sala de aula (palco – maravilhoso!) estes movimentos. Os alunos consumiam estes
movimentos e imitavam a coreografia da Pina identicamente a fim de se apropriar
do que é bom, de consumir o que é bom. Existem modelos para serem consumidos e
não para serem imitados como moldes cristalizados. O fato de imitar os
movimentos da Pina fez com que eu me apropriasse dele e assim abriu caminhos
para que eu criasse os meus movimentos.
A cada nova aula passávamos a entender ainda
mais a Pina, com novos movimentos e a partir deles, criar sequências e coros.
Houve grupos de criação e cada um destes grupos, um diretor (aluno) conduzia a cena
para uma apresentação para a classe. Fui um dos dançarinos participantes, uma
experiência enriquecedora com desejos de fazer de novo. O desejo de dançar e atuar em mim cresceu e se libertou!
Iniciavam-se as aulas com aquecimento individual, alongamento muscular,
movimentação das articulações e movimento livre. Depois se dançavam as memórias
do modelo, repetindo a citação de uma coreografia da Pina estudada na Internet.
Alguns alunos assumiam o papel de guia e mostrava aos demais os
movimentos/gestos. Assim nos aquecíamos para estudarmos os movimentos da Pina. Às
vezes o aquecimento se dividia em dois grupos, no qual em cada um deles havia
um protagonista e um guia que conduzia o coro. Este guia dualizava a dança com
o protagonista, respondendo aos seus movimentos. A experiência de ser o guia
foi incrível, mas a experiência de ser o protagonista foi melhor. Movimentos
surpreendentes saíram de mim e foi acolhido pelo grupo, trazendo-me um prazer
enorme. Após este longo e incrível aquecimento, chegou a hora de dividir a sala
em três grupos no qual três diretores criaram em conjunto uma apresentação para
a classe. Eu fui um dos diretores desta vez e a experiência foi séria e
comprometedora porque as pessoas do grupo que dirigi, sensíveis em sua criação
original recebiam um leve “não” para algumas idéias. Dirigir é mais dizer não
do que sim. E isto compromete o relacionamento dos alunos. Porém, enriquece a
experiência de ambos, aluno diretor e aluno dirigido, para aceitar determinados
comandos. Ao final a apresentação foi sucesso e a tensão diminuiu. Depois demos
risadas juntos e foi tudo muito bom. Não houve nenhum problema de
relacionamento, foi mais imaginário do que real. Um fato importante nesta aula
foi o estudo do estranhamento nos movimentos da Pina Bausch. Tocou bastante
meus sentimentos e aguçou este olhar ao estranho e não-estranho. Discussão que
não termina em uma aula.
O sétimo dia de aula e
quarto dia de Pina Bausch houve pela primeira vez o contato físico com os
colegas e a demonstração do respeito que há entre todos. Meu parceiro foi um
colega e eu não havia dançado com um homem ainda. Ele me pegou no colo diversas
vezes e eu o peguei também. Houve cenas de estranhamento e padedé.
O livro Falem-me de amor de Pina Bausch (2006) abriu minha percepção para
refletir em como quebrar as convenções caducas da cena, abolir o estereótipo da
ficção e tornar assim a ação cênica credível, real e verdadeira. Fez pensar que
para isso era necessário obter em cena a organicidade completa do ser humano,
ativando corpo e espírito a transformar mecanismos físicos, intelectuais e
emocionais para representar a expressão humana. O processo orgânico que o
performer faria agir conscientemente na criação artística, libertaria a
realidade da formalidade cotidiana. Um equilíbrio do método “psicotécnico” de
Stanislavski que parte da interioridade da memória emocional reativada para
chegar a ação e do método “biomecânico” de Meyerhold que parte da preparação
física. Esta organicidade apoiaria as novas bases para a formação do ator, que
segundo Copeau, espera descobrir sinceridade no ator por meio do equilíbrio
entre o conhecimento de si próprio e dos próprios meios de expressão. Falem-me de amor quer uma dança que
exprima o mundo corpo-alma (Körperseele) do dançactor através das formas
sugeridas pela nova “organicidade do indivíduo. O bailarino é o profissional da
organicidade do indivíduo travando uma luta pela verdade/liberdade na
autosuficiência do seu corpo. Assim, cada bailarino é o criador de sua própria
arte. Claro que não se podem desprezar os estudo sobre domínio do corpo
presentes nas obras de Dalcroze e Laban. Um coro de movimentos deixa de ter
razão de ser puramente decorativo e busca vontades socializantes com indivíduos
unidos voluntariamente pelas mesmas razões de expressão. “Dançactores” livres
que manifestam a própria criatividade constroem juntos, num nível
pré-expressivo, o coro. Assim, a liberdade entra em comunhão e o conjunto de
dançarinos se dá em verdade. O estudo é necessário para se libertar da regra
expressiva em dança clássica. Um coro se monta por meio de regras, mas buscar a
verdade na organicidade do grupo é libertar o coro e socializar os dançarinos. Pina
fora um dos cinco precursores do Tanztheater
na Alemanha Ocidental e que estudaram no Folkwang-Schule: Pina Bausch, Reinhild
Hoffmann, Susanne Linke, Gerhard Bohner e Johann Kresnik. Se opunham ao bailado
clássico quando se falava em formas inéditas e definição de coreografias para
dança contemporânea, trazendo uma ruptura radical desta tradição. Assimilavam
todos os tipos e técnicas possíveis de movimentos que poderiam servir ao teatro,
colocavam cada um a inspiração pessoal e buscavam mostrar colóquios de
estranheza estética para provocar o espectador. Utilizavam sons, vídeos, artes
plásticas, filmes, músicas eletrônicas e efeitos diversos como parte da
coreografia, compondo cenas multimídias que contribuíam para uma dimensão
máxima à estética e aos meios de expressão da dança.
Frases de Pina Bausch que me
chamam a atenção:
“Dançar é uma forma de amar.”
"Eu não estou interessada em saber como as pessoas se movem, eu
estou interessada no que as faz mover."
“Quando saímos, se está a nevar e tudo se pôs branco, ficamos sós,
sentimo-nos sós. Se o sol estiver a brilhar, talvez não. Mas nada garante que
aquilo que o outro sente seja equivalente ao que nós próprios sentimos. Quanto
à mensagem, não sei... Não há mensagem. A melhor coisa é deixar a intuição e a
imaginação agirem. É verdade que eu quero dizer com força qualquer coisa
difícil de formular, qualquer coisa de escondido; mas são os espectadores que
têm de o descobrir, senão tudo seria tosco e grosseiro; são vocês que têm de o
descobrir, eu não posso proceder demasiado directamente. Frente a certos
valores, é preciso, acima de tudo, sensibilidade.”
REFERÊNCIAS
BAUSCH, Pina. Falem-me de amor. Lisboa: Fenda, 2006.
CALDEIRA, Solange Pimentel.
O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. In FÊNIX – Revista de
História e Estudo Culturais Vol. 4 – Ano IV – n° 3. Julho/agosto/ setembro de
2007. In: http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/secaolivre.artigo.1-Solange.Pimentel.Caldeira.pdf. Acesso em 1de maio de 2013.
CYPRIANO, Fábio. Pina
Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FERNANDES, Ciane. Pina
Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo:
Hucitec, 2000.