segunda-feira, 6 de agosto de 2012

UM OLHAR SOBRE NOSSO FILME / EXERCÍCIO

Fabiano Fleury de Souza Campos

Há o risco de À Margem da Imperatriz ser considerado como um conjunto de recortes: muitos alunos/performers/criadores, tentando por em prática a ideia de criar um filme que fosse uma produção coletiva, em que cada um dirigisse e criasse seu próprio roteiro, que posteriormente se juntaria a fim de se transformar em uma única produção, que tivesse o olhar final e a edição da colega Luciana, como havia sido acordado, entre nós, em sala de aula.  Segundo as orientações do professor Marcos Bulhões, o filme precisaria ter essencialmente a influência explícita da poética de Pina Bausch, sobretudo de seu filme O Lamento da Imperatriz.

No final desse processo, ficou o sentimento de objetivo alcançado, já que em nosso exercício transparece um sentido e uma unidade. O sentido é, cada um a sua maneira, relacionar-se com a cidade de São Paulo, o que ocorre a partir do procedimento que poderia ser identificado como “estranhamento da cena” (algo discutido em sala de aula e evidente no filme que nos serviu como referência), em que o performer se propõe a interagir de forma não-convencional com o ambiente em que está. Quanto à unidade, sobressai de cada performance o sentimento de quem vive num grande centro urbano: a ideia de solidão no meio da massa, de asfixia em meio a tanto concreto, de invisibilidade em pontos de aglomeração e de certo descaso com o que acontece ao redor.    https://vimeo.com/44935140

sábado, 4 de agosto de 2012

O que nos passa, o que nos toca e o que nos acontece: em Pina, somos sujeitos da experiência. Por Gisele Vasconcelos


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“Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move” (Pina Bausch apud Cypriano, 2005, p. 27)

Neste escrito parto da denominação do crítico alemão Norbert Servos (apud Cypriano, 2005, p. 28) para o Teatro-Dança de Pina Bausch enquanto “Teatro da Experiência” e designo o criador no procedimento pina bauschiano como um sujeito da experiência.
Experiência, compreendida à luz de Jorge Larossa Bondía, como “aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma”. O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto, aberto a transformação, sujeito assim como o definido por Larrossa (p. 26): não por sua atividade, mas por sua passividade “feita de paixão”, por sua “receptividade primeira”, por sua “disponibilidade fundamental”, por sua “abertura essencial”.
... aquilo que posso mostrar não pode abranger tudo. Aquilo que posso mostrar é apenas uma tradução do que senti... sei que se fizer outra peça, ela será diferente. Elas dependem das minhas experiências com a companhia. As peças nascem dela mesma, dependem dessas experiências. (Pina Bausch apud Cypriano. 2005, p. 106)
Na proposta de uma ex-posição e não exibição, Pina “expõe no palco os bailarinos em sua fragilidade mais aparente, em suas próprias personalidades, e não como performers que representam tecnicamente um papel” (CYPRIANO, 2005, p.27)
E é nessa relação com a existência, de modo singular e concreto, que transbordam os ensinamentos de Pina, em nossa abordagem antropofágica de aprendizagem de procedimentos baushnianos, para fins artísticos e pedagógicos.
Pina Bausch (1940 – 2009), coreógrafa alemã, foi o segundo ponto-pessoa-princípio da rede artística, mapeada por Bulhões, a ser degustada por nós, aprendizes-atores-educadores no programa de pós-graduação em Artes Cênicas, da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo.
Suas peças foram criadas com a participação de seus bailarinos, através de procedimentos como o de Perguntas e Respostas. Nesse procedimento, a coreógrafa apresenta uma série de perguntas, temas, palavras, frases, estimulando um mostrar a si mesmo.
Ciane Fernandes (2000, p.43), em seu estudo acerca da Repetição e Transformação em Pina Bausch, aponta que “muitas das questões de Bausch implicam relembrar: como era a sua infância? Ou pessoas importantes na sua vida.” Nas respostas: as histórias pessoais de seus dançarinos.
Para Regina Advento, dançarina brasileira que integra desde 1993 o Tanztheater de Wuppertal “há três tipos de respostas: por palavras, por movimentos ou ambos... tudo que respondemos é gravado em vídeo e depois algumas cenas são selecionadas e retrabalhadas individualmente com a Pina... em geral, não temos ideia de para onde vai o material, tudo é centrado na Pina” (Cypriano, p 33)
Nas atividades de investigação dos procedimentos de Pina Bausch, trabalhamos observando os registros audiovisuais de suas obras, assim como os documentários acerca dos trabalhos da coreógrafa em Wuppertal.
Os aprendizes-artistas-educadores da disciplina “Encenações em Jogo”, coordenada por Marcos Bulhões, extraíam movimentos de suas obras. Na tentativa de descrevê-los para a turma, repetiam tal como os haviam percebido em vídeo. No processo de aprendizagem do gesto-movimento, o aprendiz, inicialmente, o repetia solitário numa relação entre ele, o gesto e a tela do computador, buscava descrevê-lo, ou marcando o tempo de cada movimento do tipo 1, 2, 3, 4... Ou mesmo fazendo analogias com imagens: “Todas as palavras não cabem nos pensamentos e ideias”. 
O movimento era então repassado para a turma, que aprendia uma série de seis ou mais movimentos por aula, sendo que, depois, eles eram
interligados compondo no espaço uma dança de gestos copilados em processo de apropriação, repetição e transformação sob a forma de coralidade.
Após o exercício da repetição dos movimentos-gesto de Pina, éramos impulsionados a criarmos, em grupo, nosso próprio repertório guiado pela pergunta do designado então diretor do grupo, que fazia referência ao lugar da Pina enquanto coreógrafa responsável pela ordenação, escolha e transformação do material observado.
A motivação externa, que vem do estímulo-tema-texto, pode ser apenas uma palavra ou uma pergunta, como se costuma dizer, mas é necessariamente o primeiro passo para desencadear a dramaturgia da memória. Esse primeiro estágio tem lugar inteiramente na mente, a qual se esvaziará, então, dos estereótipos e clichês. (SANCHEZ, p. 90)
No processo de criação com base na repetição e motivação externa através do estímulo-tema-texto, os desejos, frustações e esperanças, expressões da subjetividade do artista criador são fundamentais para o método de trabalho de Pina Bausch, que se alimenta de questões subjetivas para focar o social.
Nesse processo dancei: “Qual o meu tempo agora”?
Tempo de festa, de amar de sorrir, tempo de conquista, do silencio, da poesia, véspera do meu aniversário, tempo do sorriso e da alegria. Dizia para todos: Amanhã é meu aniversário.
- Dancei: “O que me move na cena, na criação artística”?
É um sopro, uma respiração, algo que vem de dentro impulsionado pelos sentidos, algo que é sentido e não verbalizado, pode vir por um grito, um sopro, uma canção. É preciso ar e também a falta dele, o extremo, a exaustão, o cansaço físico para a manifestação da ação. A arte está numa outra ordem!
Cantei, quase sem ar, quase sem voz: “se ela um dia despencar do céu e se os pagantes exigirem bis..... me ensina a não andar com os pés no chão... para sempre é sempre por um triz....”
- Dançei: “Eu entro e eu saio”.
De imediato a frase me levou para uma brincadeira popular do Maranhão, o Cacuriá de dona Teté:  - tô entrando... jabuti sabe lê, não sabe escrever, ele trepa no pau e não sabe descer... lê lê lê... tô saindo.
Na dança individual e pessoal, éramos observados pelo diretor-coreógrafo, que trabalhava na observação, exclusão, seleção, repetição e transformação do material expressivo fornecido pelos criadores em estado de jogo. O trabalho de composição de cenas funcionava como montagem, cujo material pessoal vai sendo intercalado pelo material da pina, remodelado numa forma estética, compondo um fragmento de teatro-dança.
No processo de montagem das cenas, “em geral 90% do trabalho assim obtido é depois abandonado”, declara Pina (apud Cypriano, 2005, p. 33). Quando o material não é abandonado, essas histórias pessoais adquirem características estéticas através da repetição e transformação, sem qualquer tipo de apego, pois, como afirma Ciane Fernandes (2000, p. 45), neste tipo de procedimento a “experiência original (significado) é relevante apenas como uma memória esteticamente reconstruída”.
O processo de colagem e montagem com livre associação é um procedimento utilizado por Pina, no qual “pequenas cenas ou sequencias de movimentos são fragmentadas, repetidas, alternadas, ou realizadas simultaneamente, sem um definido desenvolvimento na direção de uma conclusão resolutiva” (FERNANDES, 2000, p. 21)
Para Sarrazac (2012, p. 120) “montagem e colagem designam, com efeito, uma heterogeneidade e uma descontinuidade que afetam igualmente a estrutura e os temas do texto teatral”.
Solange Caldeira afirma que:
A concepção de montagem da dança-teatro recorre a métodos conhecidos da arte cinematográfica: fragmentação do gesto, repetição de uma seqüência, efeito de close e de focalização, fades, olhares para a câmara, elipse narrativa, montagem em câmara rápida.  Em que Bausch agrupa as idéias e as marcações, dá a elas uma conotação e, por fim, uma forma, ou seja, edita, como no cinema.
Nessa experiência de colagem e montagem a turma de “Encenações em Jogo” (2012), se envolveu na devoração/recriação do filme “Lamento da Imperatriz”, de Pina Bausch e tomou a cidade de São Paulo como protagonista para a criação de movimentos-gestos em espaços urbanos da metrópole.
Cada integrante partiu de um espaço, tema, incômodo, escolha, fez a captação de imagens, posteriormente editada pela cineasta, integrante da turma, Luciana Canton, que resultou no vídeo “À Margem da Imperatriz”.
Na experimentação para a composição do filme propus um trabalho com o material orgânico: ÁGUA. Pina Bausch, em muitas de suas obras, faz uso de materiais reais e orgânicos a exemplo da utilização da água, terra ou de cravos sob o palco. Movimentar-se sob a superfície aquática constitui um obstáculo que sugere outro tipo de deslocamento no espaço. Para esse exercício utilizei o ambiente do lago do MASP, na composição de uma sereia urbana.
 “Trata-se do que ainda não é arte, mas daquilo que talvez possa se tornar arte”. (Pina Bausch)
Referências Bibliográficas:
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o Saber de Experiência. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação. N°19, 2002.
CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/secaolivre.artigo.1-Solange.Pimentel.Caldeira.pdf. Acesso em 17 de maio de 2012.
CYPRIANO, Fábio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.
SANCHEZ, Licia. A Dramaturgia da Memória na Cena Contemporânea do Teatro-Dança. São Paulo: USP, 2006.
SARRAZAC, Jean - Pierre. Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sou Pina de mim mesmo? Protocolo.


 Glauber Gonçalves de Abreu

Uma citação para conversar com o título:

Bausch (...) parte de perguntas pessoais feitas a seus bailarinos. A partir de certo momento de sua trajetória, ela passa a iniciar uma nova obra a partir dessas questões. O resultado é a construção de cenas baseadas nos impulsos mais profundos, arquivados na memória corporal de seus bailarinos atores. (CALDEIRA, 2009: 28)

Parto de uma pergunta por achar apropriado ao que aprendemos sobre o processo criativo de Pina Bausch. Ser Pina de mim mesmo seria lançar-me perguntas que pudessem movimentar meus incômodos, anseios e expectativas na criação do meu cotidiano, da minha relação com a vida e com o mundo. Sou capaz disso? Não será já a vida um fluxo intuitivo de respostas a perguntas lançadas constantemente pela consciência – ou pela fuga dela? Sou capaz de editar minhas respostas, ouvi-las e transformá-las em espetáculos (de mim mesmo)?

Memória corporal: lembro-me de um episódio no ano 2000, aos 16 anos de idade, durante minha primeira oficina de iniciação ao teatro, em que o professor leva um vídeo para discutirmos em grupo. Nenhum nome ficou, nenhum título, nenhum diretor; apenas uma imagem: uma mulher, de pernas de fora, sentada em uma poltrona em meio ao trânsito de uma cidade. Discutimos a imagem e na necessidade afoita da narrativa, não hesitei: - Trata-se de uma prostituta. Uma colega da oficina, para meu desespero, contestou: - Acho que não! Acho que ela quis colocar aquela cadeira ali; quis ficar ali. E pensei: - Para quê? Essa imagem nunca me saiu da memória; retornou diversas vezes, como uma espécie de inspiração permanente, uma provocação ao pensamento despercebido, um interesse de espectador por uma imagem potente.

Isso dito, a experiência com Pina começa no jogo da citação cênica. Levamos, individualmente, um movimento ou sequência retirados de algum trabalho da artista que houvéssemos visto. Levei a coreografia das quatro estações (título que eu mesmo dei) aprendida no YouTube (mais um recurso didático interessante para o professor da educação básica):


Criamos, depois, movimentos autorais. Ao final, sob o olhar de um diretor-coreógrafo e em grupo, unimos partes de cada criação e improvisamos uma breve cena. Foi uma experiência reveladora. Estava enferrujado, há muito tempo sem aulas práticas, sem participar de um jogo cênico como jogador, e foi muito prazeroso retomar essa capacidade expressiva.

Continuando o módulo Pina Bausch, utilizamos novamente o vídeo como recurso didático. Começamos a abordar o percurso, o processo e os procedimentos da artista assistindo ao filme O Lamento da Imperatriz, dirigido por Pina em 1989. Uma estrutura fílmica-colagem na qual os bailarinos-atores realizam ações deslocadas de seu espaço ou de seu objetivo cotidiano. Em torno do oitavo minuto do filme voltei àquela oficina. Encontrei esse elo perdido que me unia intuitivamente à obra da Pina. A cena da mulher na poltrona estava lá.

FIGURA 1. Imagem do filme O Lamento da Imperatriz

Hoje, vejo que na minha resposta e na resposta da minha colega já propúnhamos discutir narrativa (e, logo, sua descontinuidade) e estranhamento. Essa própria característica descontínua do filme (que poderíamos chamar de pós-dramático), o deslocamento daquela ação e, especialmente, a desapropriação daquele espaço em que ela agora acontece constituem fatores que provocam o estranhamento, procedimento comum nos trabalhos de Pina Bausch. A relação com este procedimento me interessa de perto pois trabalho esse conceito em programas de mediação de espetáculos que desenvolvo em Brasília junto a estudantes da educação básica. Em geral, o estranhamento distancia esse tipo de espectador da obra, faz com que ele abandone o processo de fruição por não se sentir parte dele, ou dono dele, ou não reconhecer sua autonomia como criador, mesmo que sentado na poltrona. Procuro sensibilizar o olhar para o estranhamento e para o entendimento de que estranhar é dar partida a um outro tipo de experiência estética.

Neste sentido, notam-se vínculos muito fortes entre as proposições artísticas de Bausch e Brecht. Sua dança-teatro reedita, em outros corpos, o efeito de distanciamento proposto por Brecht na primeira metade do século XX, por meio do qual ele desejava movimentar a audiência. O estranhamento em Pina, assim como em Brecht, está atravessado – entre outras coisas – pela noção de exposição da ficção, característica comum também ao movimento da performance art, cuja influência na criação teatral contemporânea levou Josette Féral ao conceito de “teatro performativo”.

O módulo Pina Bausch aconteceu em um momento em que muito se fala sobre ela. O lançamento do filme Pina, de Win Wnders, e do documentário Sonhos em Movimento, de Anne Linsel e Rainer Hoffman. A redescoberta do Lamento – que está disponível integralmente para visualização no YouTube ( http://www.youtube.com/watch?v=P_pEirgUpPM ). Materiais muito consistentes para experiências didáticas. Pina continua uma inspiração permanente, agora mais consciente e mais presente. Ofereço, como última provocação, meu recorte individual do exercício cinematográfico que fizemos em homenagem/devoração ao Lamento da Imperatriz. Bom estar em cena. Fazer este filme. O olhar coletivo e o olhar individual.

Para ver o vídeo, clique aqui.


Referências

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

Carta à Pina Bausch ou o encontro das solidões


Carta à Pina Bausch ou o encontro das solidões
Por Francis Wilker

São Paulo, julho de 2012.

Olá, Pina,

Ultimamente me sinto imerso num mar de silêncios, é como se uma força tentasse a todo custo me levar mais para o dentro e profundo de mim. Imagino que você já tenha sentido algo parecido ou talvez consiga me compreender. Momento em que questiono todas as minhas referências, que tento compreender que proposição em torno do teatro o meu trabalho efetivamente aponta, aquilo que preciso desmistificar ou abandonar, por onde eu quero ir...Como você pode ver, no fundo desse mar de silêncio há uma infinidade de vida pulsando.

Você, (ou aquilo que disseram que você dizia), falava sempre da vida como sua matéria principal de criação, “observar a vida”, as pessoas, o povo....gente! Fico aqui me perguntando sobre a arte que dá conta de falar de nossos dias, de mim, da minha gente, de pessoas que moram do outro lado do mundo e que vivem esse mesmo 2012 que eu...que talvez olhem pra lua cheia, que talvez tenham tempo para sonhar. Está bem difícil! Como diria o Jonathan (um poeta amigo) “é tanta coisa em baixo desse céu”...nessa tempestade de informação, pressa, compra, venda, dinheiro, trabalho e contas a pagar...parece que tocar no encanto e no espanto dos meus iguais tem se tornado – a cada dia – uma missão de guerra...ou de vida!
As suas perguntas existenciais sobre a experiência de ser um ser humano parecem ganhar, para alguns de nós artistas, ainda maior urgência. Agora mesmo enquanto escrevo, imerso no frio que faz em São Paulo, fico me perguntando: qual foi a minha mais significativa experiência de estar vivo? Talvez uma outra pergunta possível seria: será que estamos vivos?

E no meio de todo esse esforço que fazemos para permanecermos poetas capazes de cantar um tempo, além de enfrentar, ao menos aqui no meu país, a falta de investimentos em cultura, a falta de espaço, a falta de público, a falta de educação decente para o meu povo, o excesso de cultura de massa, o excesso de publicidade, o excesso de tudo que direciona enganosamente os nossos desejos...muitas vezes temos ainda que enfrentar a patrulha dos outros poetas, como nós...atores que representam uma espécie de  júri a classificar se o seu teatro é político, se desvenda as estruturas de dominação,  se o seu teatro é experiência, se o seu teatro é repetição do teatro do outro,  se é performativo, se é ampliação da cultura de massa, se é engajadão mesmo, se é pós-dramático, se é sustentável, se é comercial, se é experimental, se é viável, se merece fomento, se merece o prêmio, se merece o oxigênio...e, Pina, sinceramente, as vezes me sinto paralisado diante de tudo isso...

Veja você como no tempo de agora as perguntas se multiplicam numa velocidade assustadora!  Pois é, precisamos nos vigiar para sentir, para manter algum espaço de área verde para nossa sensibilidade.
Resolvi te escrever porque vendo e relendo sobre seus trabalhos, reconheci algum “vínculo familiar”, talvez esse jeito de incentivar o outro a “se escavar” por dentro, acordar sonhos, pesadelos, lembranças...talvez por reconhecer também na vida tanta beleza e horror. Talvez simplesmente por seguir tentando fazer poesia até o dia em que alguma doença me faça parar.

Pensar em você me lembrou muito As Cartas a um jovem poeta, do Rainer Maria Rilke, geograficamente mais perto de você que de mim, mas, parece comprovado que para a arte não há distância, né? Bem, há muitos anos, quando eu li esse livro, a ideia da solidão ficou muito forte em mim, não vejo isso como algo ruim, acho que é uma maneira de “estar” mais profunda...e isso me lembra você e o seu trabalho.
“...e aprender devagar a reconhecer as poucas coisas em que perduram o que de eterno se pode amar e a solidão de que se pode tomar parte em silêncio.”

“Pense, meu caro, no mundo que o senhor leva dentro de si, então dê a esse pensamento o nome que quiser; pode ser lembrança da própria infância ou anseio do próprio futuro – apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que o senhor percebe em torno."

Ah, imagino que independente do espaço, você certamente ainda encontra tempo para dançar. Aliás, o Wim Wenders fez um bonito filme sobre você, nele, os seus companheiros e companheiras do Tanztheater Wuppertal dançam pra você, imagino eu, dançam como quem oferece um presente, espero que de algum modo, você tenha recebido!

Pina, obrigado por este encontro!

Um bejio!
Francis

PS.: fiz umas fotos pra te enviar, não ficaram tão boas, talvez meio clichê...mas...mando assim mesmo pra você guardar de recordação.




* fotos de Carmven

quarta-feira, 1 de agosto de 2012


PROTOCOLO PINA
Jacqueline Silva Mendes/ 2012-1

“Suas peças apresentam um caos generalizado, sob certa ordem, favorecendo processo sobre produto (...) provocando experiências inesperadas (...)” (FERNANDES, p. 18).

Ver Pina é mágico!

É expandir nossos conhecimentos do que é possível em dança, é estranhamento, é estar em casa, é sinergia, é sensação, é força, é fragilidade, é fragmento, é continuidade, é amor, é solidão, é transformação, é diálogo, é comunicação, é coletivo...
Tudo isso e mais, é o trabalho de Pina!
Em nossas aulas levantamos vários procedimentos percebidos no trabalho da Pina Bausch, foram:

·         Repetição de movimentos e palavras;

A repetição de algum gesto ou movimento nos causa estranhamento, mas também nos possibilita observar melhor o movimento até esse movimento se tornar belo de tanto ser repetido. A Ciane Fernandes nos aponta também para este caminho quando afirma que “Nas distorcidas estruturas de espelho das peças, a repetição de movimentos ou de palavras constantemente os modifica, multiplicando suas significados.” (p. 37). E esta repetição também nos possibilita ver o gesto de outra forma, mudando seu significado inicial, ampliando as possibilidades de significações. “Quando um gesto é feito pela primeira vez no palco, ele pode  ser (mal) interpretado como uma expressão espontânea. Mas quando o mesmo gesto é repetido várias vezes, ele é claramente exposto como um elemento estético.” (FERNANDES, p. 23).

·         Estranhamento
·         Pergunta-estímulo
·         Depoimento pessoal

Foi muito interessante responder a determinadas perguntas com nosso corpo, com nossa dança pessoal, criar sensações, sentimentos, nossa percepção corporalmente de uma palavra, “a imagem corporal, é então a repetição do mapa ambiental ou sociofamiliar (...)” (FERNANDES, p. 25). Finalizando este comentário, trago a citação da FERNANDES:

“(...) As obras de Bausch não parecem buscar uma quebra da barreira entre a representação cênica e a vida. Ao contrário, seus trabalhos incorporam movimentos e elementos da vida diária justamente para demonstrar que são tão artificiais quanto a apresentação cênica. E esta demonstração, como será visto posteriormente, é feita pela repetição de ambos – movimentos e palavras. Espontaneidade é uma inesperada, imprevisível, que pode acontecer apenas por meio de tais repetições.” (p. 20).

·         Gesto simbólico (deslocamento do gesto do contexto original, mescla de gesto cotidiano e mecanizado...)
·         Disjunção da ação corporal em relação à ambiência
·         Obstáculos reais (surreais) ao movimento
·         Estranhamento com o texto, ação verbal, sonora
·         Oposições de ações, justaposição com elementos contraditórios,
·         Deslocamento da experiência física
·         Sobreposição de gestos
·         Recorte e colagem
·         Abertura para o acaso

Nutridos das leituras iniciamos as práticas baseadas nos procedimentos acima, onde cada aluno trazia uma citação corporal de algum trabalho desenvolvido pela Pina e posteriormente também trouxemos perguntas que seriam respondidas corporalmente.
Participar dessa experiência foi muito significativa, porque nos levava a fazer movimentos inusitados, movimentos do cotidiano, mas de forma descontextualizada, esse trabalho levou o meu corpo a experenciar movimentos que não sabia que caberia numa partitura corporal, para apresentações de dança.
A experiência de vivenciar uma partitura corporal num diálogo com a cidade de São Paulo foi um pouco confusa, pensava em uma pergunta, mas não conseguia criar nenhuma pergunta, então minha pergunta foi: Qual é a pergunta? Existiu um nervosismo por fazer algo na rua, mas depois foi tão rápido e pronto já tinha terminado.
Quando vi o trabalho final, o filme com todos juntos, foi muito interessante, os fragmentos de certa forma dialogavam, não entre si, mas com a cidade, a cidade era o elo.