Carta à Pina Bausch
ou o encontro das solidões
Por Francis Wilker
São Paulo, julho de 2012.
Olá, Pina,
Ultimamente me sinto imerso num mar de silêncios, é como se
uma força tentasse a todo custo me levar mais para o dentro e profundo de mim.
Imagino que você já tenha sentido algo parecido ou talvez consiga me
compreender. Momento em que questiono todas as minhas referências, que tento
compreender que proposição em torno do teatro o meu trabalho efetivamente
aponta, aquilo que preciso desmistificar ou abandonar, por onde eu quero
ir...Como você pode ver, no fundo desse mar de silêncio há uma infinidade de
vida pulsando.
Você, (ou aquilo que disseram que você dizia), falava sempre
da vida como sua matéria principal de criação, “observar a vida”, as pessoas, o
povo....gente! Fico aqui me perguntando sobre a arte que dá conta de falar de
nossos dias, de mim, da minha gente, de pessoas que moram do outro lado do
mundo e que vivem esse mesmo 2012 que eu...que talvez olhem pra lua cheia, que
talvez tenham tempo para sonhar. Está bem difícil! Como diria o Jonathan (um
poeta amigo) “é tanta coisa em baixo desse céu”...nessa tempestade de
informação, pressa, compra, venda, dinheiro, trabalho e contas a pagar...parece
que tocar no encanto e no espanto dos meus iguais tem se tornado – a cada dia –
uma missão de guerra...ou de vida!
As suas perguntas existenciais sobre a experiência de ser um
ser humano parecem ganhar, para alguns de nós artistas, ainda maior urgência. Agora
mesmo enquanto escrevo, imerso no frio que faz em São Paulo, fico me
perguntando: qual foi a minha mais significativa experiência de estar vivo?
Talvez uma outra pergunta possível seria: será que estamos vivos?
E no meio de todo esse esforço que fazemos para permanecermos
poetas capazes de cantar um tempo, além de enfrentar, ao menos aqui no meu
país, a falta de investimentos em cultura, a falta de espaço, a falta de
público, a falta de educação decente para o meu povo, o excesso de cultura de
massa, o excesso de publicidade, o excesso de tudo que direciona enganosamente
os nossos desejos...muitas vezes temos ainda que enfrentar a patrulha dos
outros poetas, como nós...atores que representam uma espécie de júri a classificar se o seu teatro é político,
se desvenda as estruturas de dominação, se o seu teatro é experiência, se o seu teatro
é repetição do teatro do outro, se é
performativo, se é ampliação da cultura de massa, se é engajadão mesmo, se é
pós-dramático, se é sustentável, se é comercial, se é experimental, se é
viável, se merece fomento, se merece o prêmio, se merece o oxigênio...e, Pina,
sinceramente, as vezes me sinto paralisado diante de tudo isso...
Veja você como no tempo de agora as perguntas se multiplicam
numa velocidade assustadora! Pois é, precisamos
nos vigiar para sentir, para manter algum espaço de área verde para nossa
sensibilidade.
Resolvi te escrever porque vendo e relendo sobre seus
trabalhos, reconheci algum “vínculo familiar”, talvez esse jeito de incentivar
o outro a “se escavar” por dentro, acordar sonhos, pesadelos,
lembranças...talvez por reconhecer também na vida tanta beleza e horror. Talvez
simplesmente por seguir tentando fazer poesia até o dia em que alguma doença me
faça parar.
Pensar em você me lembrou muito As Cartas a um jovem poeta,
do Rainer Maria Rilke, geograficamente mais perto de você que de mim, mas,
parece comprovado que para a arte não há distância, né? Bem, há muitos anos,
quando eu li esse livro, a ideia da solidão ficou muito forte em mim, não vejo
isso como algo ruim, acho que é uma maneira de “estar” mais profunda...e isso
me lembra você e o seu trabalho.
“...e aprender devagar a reconhecer as poucas coisas em que
perduram o que de eterno se pode amar e a solidão de que se pode tomar parte em
silêncio.”
“Pense, meu caro, no mundo que o senhor leva dentro de si,
então dê a esse pensamento o nome que quiser; pode ser lembrança da própria
infância ou anseio do próprio futuro – apenas preste atenção no que surge a
partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que o senhor percebe em torno."
Ah, imagino que independente do espaço, você certamente
ainda encontra tempo para dançar. Aliás, o Wim Wenders fez um bonito filme sobre
você, nele, os seus companheiros e companheiras do Tanztheater Wuppertal dançam pra você, imagino eu, dançam
como quem oferece um presente, espero que de algum modo, você tenha recebido!
Pina, obrigado por este encontro!
Um bejio!
Francis
PS.: fiz umas fotos pra te enviar, não ficaram tão boas,
talvez meio clichê...mas...mando assim mesmo pra você guardar de recordação.
* fotos de Carmven