quarta-feira, 27 de junho de 2012

27/06/2012 Protocólo Pina Bausch/Flávia Junqueira



O Homem e o Mundo: Algumas categorias relacionais


          Quando comecei a participar do módulo Pina Bausch, eu apenas conhecia alguns trabalhos da coreógrafa, porém tudo foi sempre muito distante. Sinceramente, eu somente havia assistido ao novo filme "Pina 3D" de Win Wenders e conhecia algumas informações pouco conexas.

           Como sou das artes plásticas, não sabia a fundo sobre os procedimentos estéticos que geravam os movimentos das coreografias de Pina. Encontrei nas práticas das aulas um campo difícil de se envolver, pois me exigia um desapego com relação a meu próprio corpo, algo que nunca ninguém havia me exigido ou mesmo proposto. O pouco que sei hoje sobre os movimentos de Pina, foram inicialmente descobertos nestas aulas.

            Na primeira aula do módulo, sugeriu-se levar um movimento de Pina Bausch para a dinâmica prática coletiva e contextualizá-la, além disso também pediu-se que fosse criada uma pequena cena de múltiplos movimentos a partir de uma pergunta subjetiva movente, assim como os processo estéticos reais de Pina.
           
            Até então, eu desconhecia o fato de que as perguntas eram conseqüências moventes para a geração dos movimentos de dança dos atores nas coreografias. As "perguntas", como um processo estético extremamente forte e definido, gerava uma multiplicidade de reações que tornavam o movimento gerado por cada ator, um elemento parcial, diferente, subjetivo, pessoal e intuitivo.
           
            Desde que me dei conta do valor que as perguntas tinham para a "elaboração" ou     "surgimento espontâneo" de cada movimento, fiquei bastante intrigada.Em realidade, falo aqui sobre o ponto que mais me desapontou curiosidade dentro do bloco das aulas de Pina Bausch: creio que até agora as questões que permeiam os assuntos sobre esta "pergunta geradoras" são os conteúdos que aqui mais me fazem re-pensar a estética usada por ela.


Na segunda aula do módulo, tivemos a oportunidade de assistir na integra ao filme "O lamento da Imperatriz" de direção da própria coreografa. o Filme, tema de nosso trabalho prático final, tornou meu interesse sobre o processo estético de "perguntas" de Pina bausch, ainda mais forte.
            A seguir desenvolverei uma pequena análise sobre alguns pontos do filme que julgo importantes, para estabelecer relações entre as perguntas, respostas e movimentos que vemos na obra de Pina Bausch.

            Lembro-me que quando terminei de ver o filme  "O Lamento da Imperatriz" percebi que havia esquecido completamente que o processo estético inicial das perguntas e respostas estavam embutidos nos movimentos cênicos presentes no filme. Realmente acreditei durante todo o tempo que os movimentos eram extremamente copiados, encenados, ensaiados, ditados, tecnicamente testados, direcionados, dirigidos e pensados racionalmente para cada atuação.
           
            Após o término do Filme, quando fizemos o debate sobre nossas impressões principais, notei que todos falavam sobre o quanto as perguntas de Pina eram importantes para desempenhar aqueles movimentos e como todos viam uma real correlação entre a subjetividade da resposta da pergunta e a particularidade sentimental de cada resposta/movimento.

            Infelizmente ou felizmente, fiquei um pouco assustada com a reação das pessoas, pois notei ali que talvez eu não havia entendido absolutamente nada do que vi. Eu acreditava de "corpo e alma" que enquanto eu via o Filme, tudo aquilo era dramatizado intencionalmente e extremamente calculado somente por Pina. Ou não era?

            Por outro lado, parei para questionar um pouco sobre os objetivos narrativos intrínsecos ao filme, até que ponto Pina Bausch com um processo estético tão peculiar e subjetivo, não mostrava a uma aluna inicialmente na teoria do teatro, um filme calculado, racional intencional e necessário?

            Para fundamentar um pouco desta minha visão, citarei algumas passagens do filme, colocando em seqüência frames que  ilustrem meus pensamentos. Antes de iniciar, entretanto, a passagem e análise das imagens, falarei sobre alguns princípios ou aspectos que notei na narrativa de "O Lamento da Imperatriz" que me fizeram entender o filme desta maneira.

            Basicamente ao longo do filme notei alguns aspectos fundamentais (que apresento em 4 cenas localizadas) que fazem parte do roteiro da coreografa/diretora: O HOMEM, a MAQUINA e os OBJETOS se apresentam como elementos primeiros ao se relacionarem com 2 naturezas cenográficas reais do MUNDO. Para o entendimento dessas cenografias reais, neste caso, nota-se: o CENARIO URBANO e o CENARIO NATURAL. Ambos explorados no máximo de suas potencialidades (som e imagem como ação e como representação).

            Neste caso, notei especificamente, que os aspectos que existem dentro deste cenário do Mundo: máquina, homem e objeto, se entrelaçavam e relacionavam-se entre si, ora a ora, trocando de postos, invertendo papéis, gerando forças e igualando suas energias.
Podemos notar por exemplos uma troca de necessidades, tentativas de ser o que não se é, ser algo que sabemos que não podemos ser, pois cada parte do mundo está inserida em seu contexto que muitas vezes, primitivamente, são totalmente imutáveis.

            "As plantas não falam, não ouvem, não sei. Os animais não entendem sobre desavenças amorosas, não podem escutar uma embriaguez. não sei. A criança não pode voar, mas voam. O som da cidade é maior que o som de um violino?" Pergunto eu.
            Nota-se no filme uma tentativa de troca de tipos no mundo, deslocamentos de ação e percepção, que ainda que sejam característicos dos processos estéticos de Pina Bausch, lidam com o tempo e o espaço de nossa própria realidade, seja ela atual ou anciã.
  

Breve Análise de Cenas escolhidas:

*Cena1:Vemos uma cena em que um homem percorre um campo carregando um armário pelas costas como um casco. O peso do objeto inanimado, sem aparentemente nenhuma ameaça ou reação, é capaz quase intencionalmente de derrubá-lo, jogá-lo para fora do seu eixo humano, deixando-o de quatro como um bicho. Quem vence? é uma disputa? quem pensa? quem reage? o homem ou seu casco inanimado?



*Cena 2: Vemos uma mulher embriagada, notadamente decepcionada, conturbada, frustrada, louca, a desejar dividir suas angustias com o rebanho. Ela oferece a bebida, mas as ovelhas parecem não perceber. Ela grita, mas as ovelhas parecem não escutar, onde está a percepção das ovelhas, porque não escutam essa mulher?


*Cena 3: A criança na corda, sendo erguida por um homem qualquer, a criança oscila de um lado para o outro, ela se ergue na corda, ela voa. Esse voô é duro, firme, ele me lembra uma forca, uma prisão. O oposto da liberdade?



*Cena 4: A cidade e o metro, o violino, o barulho, o barulho da cidade e da máquina, da máquina, a máquina é a cidade. Qual o papel do som do movimento em Pina Bausch? O som da vídeo na minha opinião é tão importante quanto o movimento do vídeo. E fundamental.

Conclusão:

Descrever algumas cenas do filme de Pina Bausch me faz pensar nos diversos  procedimentos estéticos englobados em toda a pesquisa da coreografa, é inegável inferir um ou outro aspecto performático como principal ou definível de seu processo.
            Noto entretanto, que os processos estéticos (muitos dos falados e apontados em aula e que eu nem citei aqui) são nada mais que uma constatação real do mundo em que se vive: contradições de espaços, tempos e deslocamentos que encontramos ao por os pés para fora de casa ou até mesmo e principalmente dentro dela.
           
            Não há como pensar Pina Bausch sem pensar em nós mesmos, nossa existência, nossas falhas e contradições. O mundo e sua mescla de elementos existententes contrariamente uns aos outros são de todo modo um grande absurdo, assim como os arquétipos propostos na obra de Pina.
           
            Sinto que apesar de entender todo o processo estético de perguntas e respostas e notar nelas uma grande subjetividade do movimento de cada resposta-ator, noto também e principalmente, que Pina é uma grande e racional propositora de questões fundamentais humanas, todas elas muito controladas, minuciosamente encenadas, tecnicamente apuradas e principalmente objetivas e intencionais. Por que não?

Trabalho Prático Final apresentado para o curso. Frames do Vídeo/ referência " O Lamento da Imperatriz" de Pina Bausch.







Fronteiras


Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - ECA/USP
Disciplina: Encenações em Jogo: Experimentos de Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo
Docente Responsável: Marcos Aurélio Bulhões Martins
Protocolo - Módulo II: "Poéticas Modelares: Pina Bausch"
por Eduardo de Paula



"A individualidade emerge não como expressão pessoal, mas a partir do automatismo social. […] A repetição rompe a dicotomia entre a autenticidade individual e a mecanização social. Nem o individuo nem a sociedade são espontâneos […]" (FERNANDES, 2000, pp. 56-57)

















Imersos em um cotidiano regido pelo tempo, ritmo e espaços - nos quais produtividade e sucesso são ideias que se sobrepõem e se repetem incessantemente -, os indivíduos já não percebem uns aos outros, nem quiçá percebam à si mesmos, obrigados ao cumprimento de ações ordinárias que agem como uma lente que distorce desejos e impõem outros, ditados pelo senso comum anunciado pelas mídias e seus veículos de informações massacrantes dos nossos “perceberes”.

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Como [re]significar as ações cotidianas e fazer com que a percepção [re]aprenda a “perceber-se outra fez”, a [des]ajustar-se, mantendo-se [in]quieta e atenta?
Essas perguntas parecem pertinentes ao universo bauschiano, tanto no que diz respeito ao campo artístico quanto ao social. No primeiro, Pina Bausch parece o tempo todo querer quebrar as possíveis “muletas” que os artistas cismam em [re]utilizar, ao invés de se lançar no vazio de incertezas que todo processo criativo carrega e descobrir outras possibilidades momentâneas e instáveis, que sempre necessitarão expandir-se e/ou desfazer-se de certezas. Esse traço de [in]quietude parece ser uma questão ampliada ao “campo social” (espectadores) que, ao  relacionarem com as obras artísticas contemporâneas, devem quebrar seus paradigmas e [re]encontrar novos parâmetros para tentar se relacionar com elas.
 
image























"Mediante a repetição de movimentos e/ou palavras, suas obras expõem a ruptura, em vez de correspondência, entre expressão e percepção. As repetições provocam mudanças nos eventos ou sequencias, insistindo na constante perda da dança em sua natureza performática, em vez de tentar preservá-la." (FERNANDES, 2000, p.32)
A partir da perspectiva na qual as fronteiras que imbricam arte e vida se diluem ou simplesmente não mostram seus limites, gostaríamos de evidenciar alguns conceitos presentes e norteadores das ações criativas de Pina Bausch, estabelecendo-os como “modelo de ação pedagógicos” propositores de processos criativos. Então, tendo Pina Bausch e o Wupertal Dança-Teatro como “Modelo de Ação Pedagógico”, traçaremos um breve mapeamento de procedimentos utilizados em seus processos criativos:
 
1. “Pergunta” & “Cena Resposta”: Pina Bausch propõe um pergunta simples para que seus dançarinos improvisem e, posteriormente criem uma cena resposta.

Pergunta como estímulo criativo


2. “Repetição”:
"Repetição é um método e um tema crucial na dança-teatro de Bausch. Por meio da repetição de movimentos e de palavras, Bausch parece confirmar e alterar as tradições da dança-teatro alemã, explorando a natureza da dança e do teatro e suas implicações psicológicas." (Fernandes, 2000, p.21)

Repetição e Transformação
 
3. “Depoimentos Pessoais”: a partir das memórias individuais.
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4. “Coreografia Matriz” ou “Pina Ensina”: a cada três ou quatro ensaios, Pina Bausch levava uma pequena coreografia para que todos apre[e]ndessem.
5. “Estranhamento”: disjunção entre a ação corporal e a ambiência; o ambiente estranha o gesto e/ou o gesto estranha o ambiente; ou ainda, o estranhamento causado pela contradição entre fala e gesto, p.ex. em "1980",
"Em 1980, quando Anne Marie Benati 'corre em círculos no palco cinquenta vezes, gritando ‘Eu estou cansada’, fica cansada de verdade (...) A artificialidade da re-presentação inicial, falando o que não sente, torna-se uma experiência real por meio da mecânica repetição." (FERNANDES, 2000, p.53)
Orientações dadas a seus dançarinos:
  • "seja você mesmo!"
  • "não represente!"
  • "seja justo ao tema mas não seja óbvio."
  • "mente vazia para as ideias: nao intelectualize; dê vazão às sensações.”
  • "seja simples."
  • "não banalizar."
  • "não ser abstrato."
  • "não caricaturar."
Além deste pequeno mapeamento, partimos para algumas experimentações práticas em sala de aula, após ter assistido, analisado e discutido:
2. Pina 3D
4. 1980

A prática proposta norteou-se por três frentes:
- 1ª) “proposição corporal” ou “trabalhar com o modelo”: após assistir/estudar um determinado vídeo de referencias, cada um deve escolher um momento que mais se interessou e aprender uma pequena sequencia de movimentos; levar para a sala de ensaio e transmitir aos outros.
- 2ª) “transformar o modelo” ou “pessoalizar”: após ter se apropriado de uma determinada sequencia de movimentos, cada um deve criar momentos anteriores e posteriores, transformando a “matriz” em outra matéria, “pessoalizando” de modo antropofágico; após isso, cada um deveria sequenciar, estabelecendo nova coreografia.
- 3ª) “Função Coreógrafo”: após, individualmente, cada um ter estabelecido sua coreografia, são juntados em pequenos grupos, no qual um indivíduo deve assumir o papel de coreógrafo; um de cada vez apresenta sua coreografia e, posteriormente, o coreógrafo “ordena” a partir de suas conexões e olhares enquanto artista criador.
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- Micro conclusão -
Destas experimentações fica o valor e a potência de se trabalhar com o “modelo de ação artístico e pedagógico”, pois ele torna o grupo de indivíduos envolvidos no processo criativo mais consciente das matérias artísticas e seus pressupostos colocados em jogo ao mesmo tempo em que [trans]forma as referências que poderiam apenas ser transmitidas oralmente e/ou teóricas e práticas em, também, audiovisuais e práticas, modificando todo o campo referencial.



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- trecho criado para o filme "Às Margens da Imperatriz", 2012.




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- Entrevista -

Jô Soares entrevista Regina Advento :



Regina Advento no Jô








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- Bibliografia -

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Baush. Artigo publicado na Fenix: Revista de História e Estudos Culturais, 2007.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: Repetição e Transformação. São Paulo, HUCITEC, 2000.
PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos. SP, Perspectiva, 2003.

segunda-feira, 25 de junho de 2012



Protocolo Módulo Pina Bausch
Aluno: Luiz Fernando Bongiovanni Martins
Citações...

“I'm not so interested in how they move as in what moves them.” 
“To understand what I am saying, you have to believe that dance is something other than technique. We forget where the movements come from. They are born from life. When you create a new work, the point of departure must be contemporary life -- not existing forms of dance.” 
“When I first began choreographing, I never thought of it as choreography but as expressing feelings. Though every piece is different, they are all trying to get at certain things that are difficult to put into words. In the work, everything belongs to everything else -- the music, the set, the movement and whatever is said. I don't know where one thing stops and another begins, and I don't need to analyze it. It would limit the work if I were too analytical.” (New York Times, September 29, 1985)
Pina Bausch
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Tradução livre
“Eu não estou tão interessada em como eles se movem tanto quanto em o quê os move.”
“Para entender o que eu estou falando, você tem de acreditar que a dança é outra coisa que a técnica. Nós esquecemos de onde vem os movimentos. Eles nascem da vida. Quando você cria um novo trabalho, o ponto de partida deve ser a vida contemporânea - não formas existentes de dança.”
“No início, quando eu comecei a coreografar, eu nunca pensei nisso como coreografia mas como expressão de sentimentos. Embora todas peças sejam diferentes, elas estão todas tentando endereçar certas coisas que são difíceis de colocar em palavras. No trabalho, tudo pertence a tudo mais -- a música, a cenografia, o movimento e o que quer que seja dito. Eu não sei onde uma coisa pára e outra começa, e eu não preciso analisar isso. Isso limitaria o trabalho se eu fosse analítica demais.” ( New York Times, 29 de Setembro de 1985)
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A Pina foi uma das razões para eu começar a dançar e com ela eu escutei pela primeira vez algo que mais tarde ficou muito evidente: dançamos aquilo que as palavras não alcançam.
Refletindo sobre isso hoje e sobre a aproximação que o teatro contemporâneo parece ter com a dança, sinto uma grande sintonia entre estes mundos.
É interessante que numa sociedade cada vez mais intelectualizada, onde as palavras, o pensamento e a lógica tenham tanta importância, uma voz tão distinta fique no ar, tão forte e por tanto tempo. J.F. Duarte, em seu livro O Sentido dos Sentidos,  esclarece isso de modo muito elegante: 

“... o inteligível e o sentido vieram, pois, sendo progressivamente apartados de si e mesmo considerados setores incomunicáveis da vida, com to da ênfase recaindo sobre os modos lógicos conceituais de se conceber as significações.”
Pina, no seu esforço para utilizar o corpo na sua totalidade expressiva, parece refletir constantemente sobre os mesmos assuntos: o homem e a vida. E homem no sentido de homem e mulher, já que o feminino toma um lugar de destaque em sua obra.
E a respeito da sua obra, um excerto do texto de Solange Caldeira a respeito do seu único filme, me auxiliou a colocar em palavras aquilo que sempre tive a impressão, não só sobre o filme, mas a respeito de todo seu trabalho:
O Lamento da Imperatriz, aponta para o personagem-cidade, que está lá, com suas pedras, ruas e bosques, e o sujeito incerto que figura nessa geografia pessoal. Porém, entendendo-se a simbologia da cidade como universal, por analogia, temos o sujeito contemporâneo perdido, feito de traços e pedaços, na busca incessante da felicidade”.
O texto na íntegra está no link:
Com isso em mente, o livro de Licia Maria Morais Sánchez, A Dramaturgia da Memória no Teatro-Dança, encontrou terreno propício para uma série de reflexões.
Pina trabalha de maneira sistemática com o que se convencionou a chamar e pergunta-estímulo. São perguntas ou frases afirmativas em que o artista colaborador apresenta ou elabora uma solução resposta na forma de uma cena.
Coisas do tipo:
“Quando você não pode mais pensar, o que você pensa?”.
“Mendigar com orgulho”.
“Descrever um touro em movimento”.
“Descrever com as mãos um retrato falado”.
“Três gestos típicos seus”.
“Destruir a si próprio”.
“Como fazer um anjo de diabo?”.
“Uma forte reação, ou uma ração a alguma coisa”.
E dentre tudo o que vi o que mais me chama a atenção é a lista de aspectos “desejáveis” na resolução de uma pergunta-estímulo. Embora ela não possa ser encarada como uma receita, ela ajuda fortemente a se ter em mente o tipo de conduta incentivado em Wuppertal.
  1. Seja você mesmo
  2. Não atuar
  3. Ser justo ao tema, mas não ser óbvio
  4. Não intelectualizar
  5. Ser simples
  6. Não banalizar
  7. Não querer mostrar o que se quer dizer
  8. Não ser abstrato
  9. Não caricaturar

quinta-feira, 21 de junho de 2012


As histórias pessoais como isca para as histórias coletivas
por Janaina Leite

Desde que o “módulo Pina” teve início, trago na cabeça um livro que li a um certo tempo chamado Bandoneon. Em que o tango pode ser bom para tudo? e que fazia referência ao nome de um espetáculo de 1981 de Pina Bausch. “Em que o tango pode ser bom para tudo?” é então um título de espetáculo, de um livro (onde o processo criativo de Pina Bausch é descrito), mas é também uma das perguntas que foi lançada por ela aos bailarinos durante o processo para provocar a criação. Me encanta a especificidade da pergunta, como se se tratasse de um “em que uma aspirina, um pedaço de cizal, uma tesoura sem ponta, uma caixa vazia pode ser bom para tudo?” - jogo suposto com a “utilidade” das coisas - , somada à imagem do tango em sua inutilidade e ao “tudo” em sua generalidade, criando um efeito poético marcante sem que se caia numa espécie de abstração um tanto vaga. O que impressiona na qualidade das perguntas é que elas são específicas ao mesmo tempo que propõe um salto poético. Não deixam assim o bailarino nem preso numa mecânica coreográfica, nem solto numa abstração generalizante. Disso advém, ao meu ver, a qualidade (no sentido de “característica”) dramatúrgica de suas obras.
E este é o ponto que escolhi para registrar aqui: a dramaturgia em Pina. O que se move, se move a partir de perguntas – este é o seu processo – que convocam as histórias dos artistas que com ela trabalham. Essas histórias, sentimentos, impressões, lembranças, associações movidas por estas perguntas se transformam em gestos, movimentos, palavras, ações, olhares, expressões. Nada é vazio em Pina, ou neutro, porque existe uma dramaturgia dançada na obra que sem que isso seja da ordem da representação. Esta dramaturgia atravessa os materiais conferindo-lhes textura, intensidade, brilho (o solar e o sombrio, por exemplo) e, sobretudo, relação entre pessoas e pessoas, entre pessoas e coisas, pessoas e espaço, pessoas e público. Acredito que o ponto da “relação” é um dos pontos fundamentais quando pensamos em dramaturgia e em seus espetáculos existe uma noção de vínculo e, fundamentalmente, um vínculo afetivo que impregna o dançar, o mover-se, o agir, daí, acredito, a sensação tão forte de que, ainda que eu não possa – e nem se pretende isso – fazer todos os nexos, uma infinidade de histórias estão atravessando esse dançar.
Como nos conta Mirian Rinaldi em seu artigo sobre processos que se utilizam do depoimento pessoal (caso do seu grupo, o Teatro da Vertigem e caso do Thanztheather), “Bausch defende a ideia de que o teatro é o espaço das subjetividades e das recordações”. Ela se interessa pelo que é vital em cada um, pelo singular.
Jean-Louis Comolli, crítico e cineasta francês, ao falar das pessoas que ele encontra em seus filmes documentais, diz algo que me vem muita a cabeça ao pensar nesse singular que irrompe do material artístico. Reproduzo essa citação e proponho que onde ele diz “filme”, coloquemos “obra”, seja de teatro ou dança, nestas, como em Pina, onde há espaço para que este singular irrompa.

"O que se passa com aqueles que filmamos, homens ou mulheres, que tornam-se, assim, personagens do filme? Eles nos fazem conhecer e reter, antes de tudo, que existem fora do nosso projeto de filme. (...) Estes homens ou estas mulheres que nós filmamos, que nesta relação aceitaram entrar, nela irão interferir e para ela transferir, com singularidade, tudo o que carregam consigo de determinações e de dificuldades, de pesado e de graça, de sua sombra - que, com eles, não será reduzida -, tudo o que a experiência de vida neles terá modelado. Ao mesmo tempo, alguma coisa da complexidade das sociedades e alguma coisa da exceção irremediável da uma vida. Isto quer dizer que nós, filmamos também algo que não é visível, filmável, não é feito para o filme, não está ao nosso alcance, mas que se encontra com o resto, dissimulado pela própria luz ou cegado por ela, ao lado do visível, sob ele, fora do campo, fora da imagem, mas presente nos corpos e entre eles, nas palavras e entre elas, em todo o tecido que trama a máquina cinematográfica." (COMOLLI, 2008)

Cada corpo traz uma história, traz as marcas dessa história. Cada forma de pensar, de sentir, de ir em direção ao outro e ao mundo é singular em cada um de nós.
E ao mesmo tempo ela parte sim das histórias pessoais, mas buscando que essas histórias sejam “iscas para as histórias coletivas” (RINALDI, 2006). Então, sem que isso seja uma contradição, no muito singular pode existir um salto onde essa singularidade se universaliza e uma história pessoal passa a ser a história de todos nós.

Referências bibliográficas:

COMOLLI, J.L. Ver e Poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

HODGE, E. & WEISS, U. Bandoneon. Em que o tango pode ser bom para tudo? Attar Editorial: ão Paulo, 1989.

RINALDI, M. O ator no processo colaborativo do Teatro da Vertigem. Revista Sala Preta. Número 06, 2006. http://www.eca.usp.br/salapreta/PDF06/SP06_016.pdf