segunda-feira, 22 de julho de 2013

PINA BAUSCH: Por meio das aulas de Marcos Bulhões
ECA USP – ano 2013

Renato Sergio Sampaio

O primeiro dia de aula da disciplina Encenações em jogo: experimentos de criação e aprendizagem do teatro contemporâneo do Prof.Dr. Marcos Aurélio Bulhões Martins assistimos ao filme O Lamento da Imperatriz, único filme de Pina e feito para atores-bailarinos. O filme apresenta fragmentação de gestos, repetição de seqüências, efeitos de close com olhares para a câmara e diversidades com elipse narrativa. Focaliza o processo de narrar acumulando intertextos com relatos que se transformam continuamente na busca de soluções atuais do presente momento. Segundo a autora Solange Pimentel Caudeira em seu livro O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bauch (2009), a atividade corporal que permeia todo o filme é um simulacro do viver, bem como a reafirmação da capacidade infinita de produção, elaboração e busca de caminhos. O leitor-espectador é levado a acompanhar o narrador através de todo um percurso caracterizado pela indefinição espaço-temporal, esvaziado de qualquer tentativa de delimitação entre o real e o imaginário.

“O Lamento da Imperatriz é uma permanente viagem ao ‘não-lugar’. Movimentando-se em um espaço nebuloso que apregoa a impossibilidade de consolidação das marcas identitárias, relacionais e históricas que configuram o lugar antropológico, o anonimato do sujeito e o esmaecimento da memória fortalecem a idéia de que a voz que fala pode ser de qualquer um. Não é, portanto, necessário buscar nenhum designador identitário. A recusa da dança-teatro de apegar-se a referentes que possam servir como localizadores espaço-temporais está relacionada à crise da própria história como produtora de sentido, à crise da identidade cultural. (CAUDEIRA, 2007).

O filme não é dividido conforme o padrão dramatúrgico tradicional porque Pina faz um jogo de contrastes entre imagens que mobilizam signos e valores culturais com um poética plenamente livre na estrutura, são danças libertas de qualquer tipo de prisão, física ou mental numa obra híbrida nas linguagens da dança, do teatro e do cinema. O filme dialoga corpo e cinema com humor deboche e ironia. Alegoriza a cidade de Wuppertal numa direção fotográfica com posições e ângulos de um urbano nada óbvio, apenas experiências visíveis.

O segundo dia de aula foi uma apresentação do plano de curso e os planos de aula. Também foi uma apresentação geral da turma. Muitas dúvidas sobre o curso foi tirada e discutida neste dia. O terceiro dia de aula pôde-se discutir sobre teatro performativo e teatro pós-dramático. Este texto foi entregue o professor em folha separada, não havendo necessidade de escrevê-lo novamente. As práticas de Pina se iniciaram a partir da quarta aula do curso indo até a sétima aula.

Iniciar a prática da dança nos moldes de Pina Bausch foi uma experiência incrível e muito emocionante para mim porque tratou de temas da infância e movimentos plenamente livres na expressão artística. Isso nunca havia acontecido comigo e me moveu a estudar quem foi esta mulher incrível que despertava nos dançarinos atores uma liberdade tamanha. Cada aluno trouxe um ou dois movimentos da Pina assistidos na Internet e apresentou na sala de aula (palco – maravilhoso!) estes movimentos. Os alunos consumiam estes movimentos e imitavam a coreografia da Pina identicamente a fim de se apropriar do que é bom, de consumir o que é bom. Existem modelos para serem consumidos e não para serem imitados como moldes cristalizados. O fato de imitar os movimentos da Pina fez com que eu me apropriasse dele e assim abriu caminhos para que eu criasse os meus movimentos.
A cada nova aula passávamos a entender ainda mais a Pina, com novos movimentos e a partir deles, criar sequências e coros. Houve grupos de criação e cada um destes grupos, um diretor (aluno) conduzia a cena para uma apresentação para a classe. Fui um dos dançarinos participantes, uma experiência enriquecedora com desejos de fazer de novo. O desejo de dançar e atuar em mim cresceu e se libertou!
Iniciavam-se as aulas com aquecimento individual, alongamento muscular, movimentação das articulações e movimento livre. Depois se dançavam as memórias do modelo, repetindo a citação de uma coreografia da Pina estudada na Internet. Alguns alunos assumiam o papel de guia e mostrava aos demais os movimentos/gestos. Assim nos aquecíamos para estudarmos os movimentos da Pina. Às vezes o aquecimento se dividia em dois grupos, no qual em cada um deles havia um protagonista e um guia que conduzia o coro. Este guia dualizava a dança com o protagonista, respondendo aos seus movimentos. A experiência de ser o guia foi incrível, mas a experiência de ser o protagonista foi melhor. Movimentos surpreendentes saíram de mim e foi acolhido pelo grupo, trazendo-me um prazer enorme. Após este longo e incrível aquecimento, chegou a hora de dividir a sala em três grupos no qual três diretores criaram em conjunto uma apresentação para a classe. Eu fui um dos diretores desta vez e a experiência foi séria e comprometedora porque as pessoas do grupo que dirigi, sensíveis em sua criação original recebiam um leve “não” para algumas idéias. Dirigir é mais dizer não do que sim. E isto compromete o relacionamento dos alunos. Porém, enriquece a experiência de ambos, aluno diretor e aluno dirigido, para aceitar determinados comandos. Ao final a apresentação foi sucesso e a tensão diminuiu. Depois demos risadas juntos e foi tudo muito bom. Não houve nenhum problema de relacionamento, foi mais imaginário do que real. Um fato importante nesta aula foi o estudo do estranhamento nos movimentos da Pina Bausch. Tocou bastante meus sentimentos e aguçou este olhar ao estranho e não-estranho. Discussão que não termina em uma aula.
O sétimo dia de aula e quarto dia de Pina Bausch houve pela primeira vez o contato físico com os colegas e a demonstração do respeito que há entre todos. Meu parceiro foi um colega e eu não havia dançado com um homem ainda. Ele me pegou no colo diversas vezes e eu o peguei também. Houve cenas de estranhamento e padedé.

O livro Falem-me de amor de Pina Bausch (2006) abriu minha percepção para refletir em como quebrar as convenções caducas da cena, abolir o estereótipo da ficção e tornar assim a ação cênica credível, real e verdadeira. Fez pensar que para isso era necessário obter em cena a organicidade completa do ser humano, ativando corpo e espírito a transformar mecanismos físicos, intelectuais e emocionais para representar a expressão humana. O processo orgânico que o performer faria agir conscientemente na criação artística, libertaria a realidade da formalidade cotidiana. Um equilíbrio do método “psicotécnico” de Stanislavski que parte da interioridade da memória emocional reativada para chegar a ação e do método “biomecânico” de Meyerhold que parte da preparação física. Esta organicidade apoiaria as novas bases para a formação do ator, que segundo Copeau, espera descobrir sinceridade no ator por meio do equilíbrio entre o conhecimento de si próprio e dos próprios meios de expressão. Falem-me de amor quer uma dança que exprima o mundo corpo-alma (Körperseele) do dançactor através das formas sugeridas pela nova “organicidade do indivíduo. O bailarino é o profissional da organicidade do indivíduo travando uma luta pela verdade/liberdade na autosuficiência do seu corpo. Assim, cada bailarino é o criador de sua própria arte. Claro que não se podem desprezar os estudo sobre domínio do corpo presentes nas obras de Dalcroze e Laban. Um coro de movimentos deixa de ter razão de ser puramente decorativo e busca vontades socializantes com indivíduos unidos voluntariamente pelas mesmas razões de expressão. “Dançactores” livres que manifestam a própria criatividade constroem juntos, num nível pré-expressivo, o coro. Assim, a liberdade entra em comunhão e o conjunto de dançarinos se dá em verdade. O estudo é necessário para se libertar da regra expressiva em dança clássica. Um coro se monta por meio de regras, mas buscar a verdade na organicidade do grupo é libertar o coro e socializar os dançarinos. Pina fora um dos cinco precursores do Tanztheater na Alemanha Ocidental e que estudaram no Folkwang-Schule: Pina Bausch, Reinhild Hoffmann, Susanne Linke, Gerhard Bohner e Johann Kresnik. Se opunham ao bailado clássico quando se falava em formas inéditas e definição de coreografias para dança contemporânea, trazendo uma ruptura radical desta tradição. Assimilavam todos os tipos e técnicas possíveis de movimentos que poderiam servir ao teatro, colocavam cada um a inspiração pessoal e buscavam mostrar colóquios de estranheza estética para provocar o espectador. Utilizavam sons, vídeos, artes plásticas, filmes, músicas eletrônicas e efeitos diversos como parte da coreografia, compondo cenas multimídias que contribuíam para uma dimensão máxima à estética e aos meios de expressão da dança.

Frases de Pina Bausch que me chamam a atenção:

“Dançar é uma forma de amar.”

"Eu não estou interessada em saber como as pessoas se movem, eu estou interessada no que as faz mover."

“Quando saímos, se está a nevar e tudo se pôs branco, ficamos sós, sentimo-nos sós. Se o sol estiver a brilhar, talvez não. Mas nada garante que aquilo que o outro sente seja equivalente ao que nós próprios sentimos. Quanto à mensagem, não sei... Não há mensagem. A melhor coisa é deixar a intuição e a imaginação agirem. É verdade que eu quero dizer com força qualquer coisa difícil de formular, qualquer coisa de escondido; mas são os espectadores que têm de o descobrir, senão tudo seria tosco e grosseiro; são vocês que têm de o descobrir, eu não posso proceder demasiado directamente. Frente a certos valores, é preciso, acima de tudo, sensibilidade.”
           
REFERÊNCIAS
ACUPUNTURA POÉTICA. Site: http://acupunturapoetica.blogspot.com.br
BAUSCH, Pina. Falem-me de amor. Lisboa: Fenda, 2006.
CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. In FÊNIX – Revista de História e Estudo Culturais Vol. 4 – Ano IV – n° 3. Julho/agosto/ setembro de 2007. In: http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/secaolivre.artigo.1-Solange.Pimentel.Caldeira.pdf. Acesso em 1de maio de 2013.
CYPRIANO, Fábio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.

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