sexta-feira, 12 de julho de 2013

Fricções entre dois universos: ela e ele

Rodrigo Severo

“Algo a respeito de sua infância”.
“Dance seu medo”.
“Dance sua solidão”.
“Dance sua fragilidade”.

Perguntas aleatórias deste universo são exploradas nos processos criativos desenvolvidos por Pina Bausch para composição dos seus intérpretes. Este método é usado inicialmente para que os dançarinos experimentem narrativas pessoais a partir de frases de movimentos, ou seja, descrição de sentimentos, traumas e alegrias vivenciados por eles ao longo de suas vidas, que serão desconstruídos e ressignificados para novos contextos por meio dos procedimentos de repetição e colagem.
Pensando nestas questões, na vivência de hoje, dançamos nossas memórias e lembranças, experimentando combinar tais movimentos com partituras corporais dos espetáculos de Pina Bausch. Saímos da expressão de um sentimento passado para criação de uma linguagem estética fragmentária e simbólica.
Nesta perspectiva, pequenas ações corporais extraídas de diferentes obras de Pina Bausch foram compartilhadas para serem postas em estado de jogo em uma segunda etapa do trabalho. O interessante é que a decupagem das ações por partes dos participantes já nos exigia uma acuidade visual para apreensão das estéticas das partituras corporais de Bausch. Após o grupo ter experimentado e codificado alguns movimentos de Bausch, foi lançada a seguinte questão: Dance alguma coisa marcante de sua infância.
Como o corpo é memória, ao me movimentar, os canais criativos vão sendo desobstruídos, relembrando traumas que marcaram minha infância. Eles vieram com tanta violência que meu corpo é levado por eles, me movia porque eles estavam ainda em meu corpo, atingindo níveis de visceralidade. Dançava no plano das emoções, dos segredos íntimos, das sensações. Estas por sua vez, foram se transformando em movimentos corporais que por meio do procedimento da repetição tornam-se sequências corporais. A minha dança passava de um movimento extremamente pessoal para uma linguagem estética, em que por meio da repetição, a presença cênica vai sendo conturbada.
Ao usar o procedimento de colagem, friccionando minhas ações com os movimentos extraídos do universo de Baush, vai sendo criado uma região de hibridismo e cruzamento em que os dois universos vão se contaminado e se reconstruindo, aparecendo espaços desterritorializantes, onde na linguagem estética construída, já não se sabe mais quais as citações de Bausch e quais os movimentos pessoais dos performers. Vida e arte ou arte e vida se misturam e se comunicam no momento do aqui agora. Histórias, gestos e movimentos que se contaminam e se tornam linguagem. Corpos ancestrais se manifestam no momento da dança.
Ao colocar estes materiais em estado de jogo com outros performers, vão sendo criados estados de contaminação e processos de afetação como consequência da recombinação dos materiais corporais dos participantes.
Assim, na composição e edição de nossas danças, somados as células retiradas do universo de Bausch vão aparecendo uma linguagem contaminada de hibridização e fricções. O interessante é que a estética do medo permeava nossas ações e o resultado da cena foi a criação de uma atmosfera de um medo coletivo na infância que estava presente em todas as camadas de nossas ações. Assim, na cena estavam presentes, através de frases de movimento, poesia corpórea, vertigem, angústia, aflição, medo, terror.
Este tipo de trabalho é interessante para se pensar como os procedimentos criativos podem possibilitar construções de novas poéticas para o performer, viabilizando ampliação do seu repertório corporal e a construção de novos paradigmas da cena contemporânea.


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