Rodrigo
Severo
“Algo a respeito de sua infância”.
“Dance seu medo”.
“Dance sua solidão”.
“Dance sua fragilidade”.
Perguntas aleatórias
deste universo são exploradas nos processos criativos desenvolvidos por Pina
Bausch para composição dos seus intérpretes. Este método é usado inicialmente
para que os dançarinos experimentem narrativas pessoais a partir de frases de
movimentos, ou seja, descrição de sentimentos, traumas e alegrias vivenciados
por eles ao longo de suas vidas, que serão desconstruídos e ressignificados
para novos contextos por meio dos procedimentos de repetição e colagem.
Pensando nestas
questões, na vivência de hoje, dançamos nossas memórias e lembranças,
experimentando combinar tais movimentos com partituras corporais dos
espetáculos de Pina Bausch. Saímos da expressão de um sentimento passado para
criação de uma linguagem estética fragmentária e simbólica.
Nesta perspectiva,
pequenas ações corporais extraídas de diferentes obras de Pina Bausch foram
compartilhadas para serem postas em estado de jogo em uma segunda etapa do
trabalho. O interessante é que a decupagem das ações por partes dos
participantes já nos exigia uma acuidade visual para apreensão das estéticas
das partituras corporais de Bausch. Após o grupo ter experimentado e codificado
alguns movimentos de Bausch, foi lançada a seguinte questão: Dance alguma coisa
marcante de sua infância.
Como o corpo é memória,
ao me movimentar, os canais criativos vão sendo desobstruídos, relembrando
traumas que marcaram minha infância. Eles vieram com tanta violência que meu
corpo é levado por eles, me movia porque eles estavam ainda em meu corpo,
atingindo níveis de visceralidade. Dançava no plano das emoções, dos segredos
íntimos, das sensações. Estas por sua vez, foram se transformando em movimentos
corporais que por meio do procedimento da repetição tornam-se sequências
corporais. A minha dança passava de um movimento extremamente pessoal para uma
linguagem estética, em que por meio da repetição, a presença cênica vai sendo
conturbada.
Ao usar o procedimento
de colagem, friccionando minhas ações com os movimentos extraídos do universo
de Baush, vai sendo criado uma região de hibridismo e cruzamento em que os dois
universos vão se contaminado e se reconstruindo, aparecendo espaços
desterritorializantes, onde na linguagem estética construída, já não se sabe
mais quais as citações de Bausch e quais os movimentos pessoais dos performers. Vida e arte ou arte e vida
se misturam e se comunicam no momento do aqui
agora. Histórias, gestos e movimentos que se contaminam e se tornam
linguagem. Corpos ancestrais se manifestam no momento da dança.
Ao colocar estes
materiais em estado de jogo com outros performers,
vão sendo criados estados de contaminação e processos de afetação como
consequência da recombinação dos materiais corporais dos participantes.
Assim, na composição e
edição de nossas danças, somados as células retiradas do universo de Bausch vão
aparecendo uma linguagem contaminada de hibridização e fricções. O interessante
é que a estética do medo permeava nossas ações e o resultado da cena foi a
criação de uma atmosfera de um medo coletivo na infância que estava presente em
todas as camadas de nossas ações. Assim, na cena estavam presentes, através de
frases de movimento, poesia corpórea, vertigem, angústia, aflição, medo,
terror.
Este tipo de trabalho é
interessante para se pensar como os procedimentos criativos podem possibilitar
construções de novas poéticas para o performer,
viabilizando ampliação do seu repertório corporal e a construção de novos
paradigmas da cena contemporânea.
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