quarta-feira, 27 de junho de 2012

Fronteiras


Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - ECA/USP
Disciplina: Encenações em Jogo: Experimentos de Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo
Docente Responsável: Marcos Aurélio Bulhões Martins
Protocolo - Módulo II: "Poéticas Modelares: Pina Bausch"
por Eduardo de Paula



"A individualidade emerge não como expressão pessoal, mas a partir do automatismo social. […] A repetição rompe a dicotomia entre a autenticidade individual e a mecanização social. Nem o individuo nem a sociedade são espontâneos […]" (FERNANDES, 2000, pp. 56-57)

















Imersos em um cotidiano regido pelo tempo, ritmo e espaços - nos quais produtividade e sucesso são ideias que se sobrepõem e se repetem incessantemente -, os indivíduos já não percebem uns aos outros, nem quiçá percebam à si mesmos, obrigados ao cumprimento de ações ordinárias que agem como uma lente que distorce desejos e impõem outros, ditados pelo senso comum anunciado pelas mídias e seus veículos de informações massacrantes dos nossos “perceberes”.

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Como [re]significar as ações cotidianas e fazer com que a percepção [re]aprenda a “perceber-se outra fez”, a [des]ajustar-se, mantendo-se [in]quieta e atenta?
Essas perguntas parecem pertinentes ao universo bauschiano, tanto no que diz respeito ao campo artístico quanto ao social. No primeiro, Pina Bausch parece o tempo todo querer quebrar as possíveis “muletas” que os artistas cismam em [re]utilizar, ao invés de se lançar no vazio de incertezas que todo processo criativo carrega e descobrir outras possibilidades momentâneas e instáveis, que sempre necessitarão expandir-se e/ou desfazer-se de certezas. Esse traço de [in]quietude parece ser uma questão ampliada ao “campo social” (espectadores) que, ao  relacionarem com as obras artísticas contemporâneas, devem quebrar seus paradigmas e [re]encontrar novos parâmetros para tentar se relacionar com elas.
 
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"Mediante a repetição de movimentos e/ou palavras, suas obras expõem a ruptura, em vez de correspondência, entre expressão e percepção. As repetições provocam mudanças nos eventos ou sequencias, insistindo na constante perda da dança em sua natureza performática, em vez de tentar preservá-la." (FERNANDES, 2000, p.32)
A partir da perspectiva na qual as fronteiras que imbricam arte e vida se diluem ou simplesmente não mostram seus limites, gostaríamos de evidenciar alguns conceitos presentes e norteadores das ações criativas de Pina Bausch, estabelecendo-os como “modelo de ação pedagógicos” propositores de processos criativos. Então, tendo Pina Bausch e o Wupertal Dança-Teatro como “Modelo de Ação Pedagógico”, traçaremos um breve mapeamento de procedimentos utilizados em seus processos criativos:
 
1. “Pergunta” & “Cena Resposta”: Pina Bausch propõe um pergunta simples para que seus dançarinos improvisem e, posteriormente criem uma cena resposta.

Pergunta como estímulo criativo


2. “Repetição”:
"Repetição é um método e um tema crucial na dança-teatro de Bausch. Por meio da repetição de movimentos e de palavras, Bausch parece confirmar e alterar as tradições da dança-teatro alemã, explorando a natureza da dança e do teatro e suas implicações psicológicas." (Fernandes, 2000, p.21)

Repetição e Transformação
 
3. “Depoimentos Pessoais”: a partir das memórias individuais.
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4. “Coreografia Matriz” ou “Pina Ensina”: a cada três ou quatro ensaios, Pina Bausch levava uma pequena coreografia para que todos apre[e]ndessem.
5. “Estranhamento”: disjunção entre a ação corporal e a ambiência; o ambiente estranha o gesto e/ou o gesto estranha o ambiente; ou ainda, o estranhamento causado pela contradição entre fala e gesto, p.ex. em "1980",
"Em 1980, quando Anne Marie Benati 'corre em círculos no palco cinquenta vezes, gritando ‘Eu estou cansada’, fica cansada de verdade (...) A artificialidade da re-presentação inicial, falando o que não sente, torna-se uma experiência real por meio da mecânica repetição." (FERNANDES, 2000, p.53)
Orientações dadas a seus dançarinos:
  • "seja você mesmo!"
  • "não represente!"
  • "seja justo ao tema mas não seja óbvio."
  • "mente vazia para as ideias: nao intelectualize; dê vazão às sensações.”
  • "seja simples."
  • "não banalizar."
  • "não ser abstrato."
  • "não caricaturar."
Além deste pequeno mapeamento, partimos para algumas experimentações práticas em sala de aula, após ter assistido, analisado e discutido:
2. Pina 3D
4. 1980

A prática proposta norteou-se por três frentes:
- 1ª) “proposição corporal” ou “trabalhar com o modelo”: após assistir/estudar um determinado vídeo de referencias, cada um deve escolher um momento que mais se interessou e aprender uma pequena sequencia de movimentos; levar para a sala de ensaio e transmitir aos outros.
- 2ª) “transformar o modelo” ou “pessoalizar”: após ter se apropriado de uma determinada sequencia de movimentos, cada um deve criar momentos anteriores e posteriores, transformando a “matriz” em outra matéria, “pessoalizando” de modo antropofágico; após isso, cada um deveria sequenciar, estabelecendo nova coreografia.
- 3ª) “Função Coreógrafo”: após, individualmente, cada um ter estabelecido sua coreografia, são juntados em pequenos grupos, no qual um indivíduo deve assumir o papel de coreógrafo; um de cada vez apresenta sua coreografia e, posteriormente, o coreógrafo “ordena” a partir de suas conexões e olhares enquanto artista criador.
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- Micro conclusão -
Destas experimentações fica o valor e a potência de se trabalhar com o “modelo de ação artístico e pedagógico”, pois ele torna o grupo de indivíduos envolvidos no processo criativo mais consciente das matérias artísticas e seus pressupostos colocados em jogo ao mesmo tempo em que [trans]forma as referências que poderiam apenas ser transmitidas oralmente e/ou teóricas e práticas em, também, audiovisuais e práticas, modificando todo o campo referencial.



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- trecho criado para o filme "Às Margens da Imperatriz", 2012.




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- Entrevista -

Jô Soares entrevista Regina Advento :



Regina Advento no Jô








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- Bibliografia -

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Baush. Artigo publicado na Fenix: Revista de História e Estudos Culturais, 2007.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: Repetição e Transformação. São Paulo, HUCITEC, 2000.
PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos. SP, Perspectiva, 2003.

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